sábado, 14 de janeiro de 2012

A viola de Dito Fernandes


                “Para o caiçara ubatubano, sertão sempre significou a região da mata cerrada que se interpõe entre a orla marítima e as encostas da Serra do Mar, e que constitui a parte da mata atlântica que a recobre [...].  Geralmente o mesmo nome dado a uma praia serve para denominar a área do sertão correspondente a esta. Assim, há a praia de Itamambuca e o sertão de Itamambuca; a praia do Puruba e o sertão do Puruba; a praia do Perequê-mirim e o sertão do Perequê-mirim”. Deste modo escreveu Kilza Setti, em seu livro Ubatuba nos cantos das praias,  para classificar e estudar os fenômenos de conservação e renovação no repertório musical dos caiçaras.
                Eu imagino o encantamento e o contentamento da pesquisadora, na década de 1970, ao caminhar pelos caminhos de servidão, entre as praias e sertões, escutando e recolhendo as cantorias profanas e sagradas do meu povo, comendo um peixinho ali, tomando um café acolá. Deve ser o mesmo sentimento e a mesma alegria que eu sinto em oportunidades semelhantes. Ontem, treze de janeiro, tivemos (eu, Júlio, Isaías e Jorge) este prazer: escutar o violeiro Dito Fernandes em sua casa no sertão do Puruba.
                Conheci o Dito Fernandes em 1981: estava em farinhada com a dona Mocinha e alguns filhos maiores. Ele já era mestre de congada. Todos os congadeiros eram dali mesmo; todos parentes! Dele eu aprendi que aquela Companhia de Congo teve influência direta de Cunha, o município limítrofe com as terras do sertão em questão. Convém notar que toda a porção Norte do município de Ubatuba viveu em isolamento até 1976, quando a BR 101 (a rodovia) fez, finalmente, a ligação com o centro urbano. Foram os trabalhadores cunhenses, utilizando o caminho de servidão, uma ligação antiga entre os dois municípios a partir da cachoeira da Escorregosa, no sertão do Cambucá, que, na primeira metade do século XX, ao virem trabalhar no corte da caxeta na vargem do Puruba, fizeram esse intercâmbio cultural. Foram eles que deixaram, com a animação do Ditinho Alves, a tradição da congada. Ele foi o primeiro mestre. Porém, destacou o Dito Fernandes naquela conversa: “O Arcidão tem um grupo no Taquaral e o Modesto tem outro na cidade”. Acrescentei que na Estufa estava ativo um grupo semelhante sob a batuta do Fortunato. De imediato ele falou empolgado: “Ele é o meu tio, marido da Benedita! É gente daqui que se mudou pra lá!”.
                Ontem, acolhidos na sala humilde, onde a Bandeira da Companhia repousava perto do São Gonçalo e de outras imagens populares, nós tomamos um vinho, escutamos o Dito Fernandes na sua empolgada cantoria, num repertório que passou pela Cana Verde, Congada, Chiba, Canoa... chegando até nas marchas carnavalescas de outros tempos. Encerramos a noitada com a estrofe da Congada que diz:
                Oi, dá licença, minha guia, dá licença;
                Dá licença pra enfeitar a Companhia.
                Apanha nove rosas, apanha nove cravos:
                É pra ficar bonito;          
                É pra enfeitar São Benedito.

                Valeu Dito Fernandes! Valeu dona Mocinha! Estamos agradecidos pela herança cultural que, juntamente com os seus filhos, parentes e amigos, nos engrandecem e nos alegram!

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