terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Dito Olho Azul

Fartura de peixe


                Em 1980, passando pela praia Vermelha do Baguari (Vermelhinha), conheci o mestre Dito Correa. Também gostava de causos. Seu costume, já na parte da tarde, após a soneca depois do almoço, era remendar redes no terreiro, debaixo do arvoredo. De vez em quando passava a vista pelo horizonte do mar. É mais um costume caiçara: ficar a espera de novidades que só a imensidão do mar é capaz de proporcionar.

                Num serão, como se adivinhasse a minha espectativa, o bondoso homem começou um causo:

                “Não é de hoje que a minha gente mora aqui. Desde a Ponta Grossa até o Acarau e o Itaguá é tudo parente. Mas teve um tempo que pelo mar vieram uns estranhos e por aqui ficaram sem demorar muito. Isto eu não alcancei. Quem contou isso, no tempo da minha meninice, foi o meu avô. É coisa de tempo que nem o avô dele alcançou. Não sei há quantas gerações.

                Essa gente de fora veio numa embarcação do estrangeiro. Gente bonita! A cabeleira tinha aparência de fiapada de paina; os olhos tinham um azul de olho-de-cabra. Foi naquele canto ali que puxaram um barco sem igual. Logo fizeram uma casa grande. Pescavam, secavam peixes; aprenderam a comer das nossas coisas, mas nunca se misturaram com a nossa gente. De acordo com o vovô, somente um do lugar por nome de Zé Placidino, o carpinteiro, se orgulhava de ter aprendido o que sabia fazer com essa gente branquela avermelhada.

                A fama do tal Placidino era de falador [fofoqueiro]  que sabia mesmo de muitas coisas. Ainda tem gente por aí que conta mais detalhes desse tempo, inclusive o envolvimento das moças da terra com aqueles homens. Depois disso nasceram as crianças com olhos no tom de olho-de-cabra [azulados]”.

                No mesmo instante pensei reparando nos olhos azuis do mestre da dança da fita. Seria o acolhedor pescador um dos descendentes desses homens do mar que passaram por aqui?

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