terça-feira, 3 de janeiro de 2012

“As palavras têm vida própria”

                Bem mais tarde eu devo ter lido isso em algum lugar, mas quem disse primeiro, num início de uma contação de história foi a tia Martinha, da praia da Fortaleza. Isso em 1969, quando a novidade era a ida do homem à Lua.
                O local era a calçada alta que existia em volta da escola do morro, perto da Grota da Cotia, de onde avistava ainda a lua cheia empurrada pelo luminoso sol de primavera. O cheiro da florada do tarumã, conhecido na Ihabela como taquiuva, estava por todo lado. Junto da tia Martinha estava a tia Luíza a fazer balaio de taquara trazida do Saco do Zacarias, depois da Ponta de Fora. As duas eram irmãs.
                Tia Martinha começou a prosa de forma simples, tal como a flor da "abobreira". Disse que era preciso tomar cuidado com o que falamos, pois “as palavras têm vida própria, vão muito longe e duram muito mais do que a nossa vida”. Depois que alguém perguntou “como assim?”, a titia exemplificou:
                Nós estamos aqui, bem longe dos estrangeiros, mas o rádio disse que eles foram na Lua, aquela que brilha lá longe. Uns acreditam; outros não...mas todos continuam dizendo isso e aquilo e aquela outra coisa. Eu creio que Deus não deixaria ninguém chegar perto dos segredos divinos. Desse modo, uma palavra vinda de tão longe, dizendo um fato difícil de provar, está no meio de nós. E podem ter certeza que ela vai continuar se alastrando, deixando muita gente em dúvidas. Nós morremos... ela continua!”. Depois dessa fala, acrescentou a tia Luíza:
                A Martinha tá certa! Vejam só o causo do Morro do tio Zezinho: é assombrado porque a sua gente era gananciosa, fazia tudo por dinheiro. Agora ninguém fica lá porque a assombração não deixa. Não se sabe se é verdade, mas continua se dizendo que aquilo é por causa da defunta Lindorfa que vendeu a alma ao coisa ruim por amor à riqueza. Eu - credo em cruz! - digo que é maledicência das pessoas que a invejavam pela sua beleza e por nunca querer se casar. Afinal, todo mundo que é mais velho sabe: ela foi muito corajosa em não aceitar um casamento arranjado com um velho fazendeiro cheio de dinheiro e bens. Preferiu a morte, onde hoje é o lugar chamado de Penhasco da Bela. É isto: atitudes desesperadas produzem atos de coragem também desesperados! Agora, quem vai desdizer uma coisa que se espalha ainda hoje?”.
                Ah! Que sabedoria das duas! Como era bom escutá-las sempre! Aprender das razões dos nomes dos lugares e das crenças do imaginário caiçara!
                Depois de tanto tempo, eu aqui retransmitindo a prosa de um dia distante, de um lugar que poucos conhecem e de pessoas que sequer sabemos onde foram enterradas! É; as palavras têm vida própria!

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