domingo, 10 de outubro de 2021

A FAMÍLIA CAIÇARA

 

Família da beira do mar (Arquivo JRS)

      Em meados da década de 1970, escreveu Olympio Corrêa após conviver um período com os caiçaras da porção mais ao norte do município de Ubatuba:


      A união do homem com a mulher, na sociedade caiçara, constitui o fundamento da família. O rapaz conhece a moça através de visitas ou funções. O fator vizinhança influi bastante neste primeiro contato. Daí em diante o relacionamento processa-se com rapidez, culminando no casamento de fato. Passam a morar juntos, e o casamento, civil ou religioso, só é feito aconselhado por terceiros, por motivos de inventário, e, ultimamente, para o gozo de vantagens legais ou por alguma pressão social. Tomamos conhecimento de um embarcadista, que com uma prole de onze filhos, recusava-se a casar no cartório para que pudesse usufruir do salário família.

     Apesar da ausência de vínculos contratuais, o homem assume a responsabilidade pela mulher e filhos e não existe criminalidade neste setor. As adolescentes muitas vezes engravidam-se cedo e não há preconceitos sexuais. O pai assume a proteção da mulher e da criança e constitui um lar, sem outros sobressaltos. Há ainda a união do homem com mulher, quando esta, viúva ou abandonada, ou por qualquer outra causa, e com filhos, aceita como caseiro um homem que via de regra também está só e quase sempre tem filhos.

     A função da mulher nesta sociedade é essencial e indispensável. Ajuda nas lides da roça com trabalho superior ao do marido; na fabricação  farinha de mandioca a ela está atribuída o processo de sevar a raiz, na roda, e, no penoso forneamento da massa seca, é a companheira insubstituível do homem. A isto tudo, além das atividades caseiras, cujos processos são pesados e extenuantes, soma-se a criação dos filhos, que vão nascendo e vingando, como a natureza manda. Daí o seu valor neste ambiente, onde, se é abandonada, imediatamente arranja um caseiro que aceita a ela e aos filhos com alegria e interesse. O homem sem mulher, seja no sertão ou na praia, quase sempre se torna vítima da bebida, acabrunha-se, abandona o cultivo da terra e passa necessidade juntamente com os filhos. Talvez, por isso, parece não haver o costume de espancamento da mulher e filhos. Há bastante harmonia entre homem e companheira, e a prole, por mais numerosa que seja, é sempre querida e há bastante manifestações de carinho entre todos.

    Os filhos adultos só deixam a família quando se casam, mesmo assim, passam a viver agregados aos pais. Os maiores, que deixam a região em busca da cidade, mesmo quando se fixam nela, não escondem o desejo de voltar para a terra natal. Os pais respeitam a vontade dos filhos, e, quando trabalham juntos na farinha, ou na banana, recebem sua cota de produção à parte. Quando pequenos não são forçados a irem à escola, e as meninas são ocupadas, muito cedo, nos serviços de casa e são desestimuladas a se instruir. Enfim, todo o relacionamento familiar parece pautar-se no respeito mútuo e numa afeição, manifestada com bastante desassombro.

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