domingo, 31 de outubro de 2021

MIGRANTE DE PERTO

 

Árvores na praia - (Arquivo JRS)

    Luiz Monteiro de Oliveira era o seu nome, mas para nós era Seo Lica. Ainda hoje, no bairro da Estufa, os mais velhos saberão lhe dizer onde era o Sertão do Lica.


   O saudoso Seo Lica era avô da amiga Fátima Albado, do Ostinho e de tanta gente boa. Com ele escutei boas histórias. Grande orgulho dele era dizer que se aposentara com funcionário da prefeitura de Ubatuba, sendo seu grande trabalho a preparação do terreno para o Campo de Aviação (aeroporto). Também se orgulhava de ter plantado a maioria das árvores antigas da cidade. "Daquelas que estão nas praças e pelas ruas, muitas fui eu quem plantou. Sabe aquelas magnólias, da Praça Nóbrega? Pois é, coube a mim e ao Modesto cavar e colocar cada uma em seu lugar. Na outra praça [13 de maio], onde era o campinho da rapaziada, outro tanto de mudas deixamos ali onde era só areia e capim".


  Seo Lica não era caiçara. "Eu sou caipira de Catuçaba. Nasci na Cachoeirinha, perto do Morro do Chapéu, onde está até hoje a capela de Nossa Senhora do Alto. Todo ano tinha uma festa muito bonita lá, com padre indo de São Luiz para celebrar a missa com o povo. Havia muita dança e comedoria nessa ocasião Era por onde passava a antiga estrada que descia para Ubatuba. Eu vi muitas tropas de burros levando e trazendo coisas por ali. Havia um entrocamento onde é Catuçaba, lugar que mora ainda bastante gente. Lá a estrada tinha três braços: o que acompanhava o ribeirão do Chapéu, indo para a cidade de São Luiz; outro seguindo na direção da Lagoinha, de Guaratinguetá, o caminho mais antigo, que ligava ao sertão de Minas Gerais. O terceiro descia até Ubatuba. Eu era rapaz novo quando começou a passar carro depois de melhorarem a serra. A tal de jardineira [uma espécie de ônibus] passava sempre, duas vezes por dia, entre Ubatuba e Taubaté. Foi por onde eu vim com a mulher e as crianças ainda pequenas. Aqui tinha trabalho garantido; lá dependia da roça e de quem comprava as nossas coisas. Por isso, assim que soubemos que havia a possibilidade de trabalhar e viver no litoral, eu e a mulher decidimos fazer isso. Embarcamos as poucas coisas nos jacás e descemos a serra. Assim que cheguei, fui contratado pela prefeitura e de lá só saí depois da aposentadoria. Desde aquela época eu moro aqui, neste lugarzinho da Estufa. Eu e o Sérgio Lucindo somos os mais velhos daqui. Pois é. Por isso eu digo a essa gente que veio de mais longe: eu sou migrante de perto, não precisei andar muito, nem usar carro ou ônibus".

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