quinta-feira, 5 de agosto de 2021

UMA MANHÃ NA CAÇANDOCA

 

   

Capela na praia - Arquivo Santiago


Árvore tombada - Arquivo Santiago

        O estimado Santiago segue na sua missão. Dias atrás ele estava na Caçandoca onde meu pai nasceu. Ali, ao lado da capela, onde Leovigildo Félix, bem jovem ainda, ajudou na fundação do local de oração e festas da comunidade de roceiros-pescadores, ele se inspirou e escreveu. Ali, no antigo Porto do José Félix, ele motivou debates, reflexões e gostosas prosas. Ali, compartilhando de toda aquela energia, ele se fortaleceu para o seguir em frente no trabalho de fortalecimento do território caiçara e da nossa gente. Valeu, irmão!


    A velha árvore centenária, em frente à capela de Nossa Senhora Aparecida, há um tempo tombou pela força da maré que nunca para de trabalhar. Ali, debaixo daquela sombra serena canoas descansavam, pescadores proseavam, crianças brincavam em paz com o tempo que tudo transforma: a criança em adulto, a semente em árvore, a árvore em canoa, a canoa em história. Ali, debaixo daquela sombra, em frente da capela, muito sonho e oração embarcou rumo à lembrança do povo. No lugar onde uma antiga fazenda colonial espoliou a terra dos povos nativos e para onde muita gente foi trazida sob ferros em tempos cruéis da História do mundo. Ali, onde o mesmo tempo, que é um rio que nunca para em direção ao mar da eternidade, talhou histórias e gente que escreveram suas histórias na terra e no mar, com enxadas e canoas, moldando um mundo e uma cultura secular.

     Numa manhã lenta de agosto num vento de inverno, as velhas águas da memória trazem à tona as imagens da vida de um povo, suas falas, seus rostos, muitos já distantes e integrados definitivamente à terra que os gerou, mas ainda presentes nos gestos e pensamentos. Do alto do morro, na trilha que segue margeando a costa em direção de outras praias do território, vê-se ao longe um barco navegando devagar na névoa matinal, redes postas, trabalho antigo, herdado de gerações. Um singelo barco, pequena casca de madeira solta na amplidão das águas, mas que contém um mundo em seu interior. Do alto da trilha uma criança, filha da terra, olha o pequeno barco, arrastando suas redes na manhã vagarosa, entre ela e o velho barco uma tênue linha invisível do tempo a guiar os rumos da vida de um povo e a sua memória.


6 comentários:

  1. Ali, um lugar sagrado de um povo, inspiração pra seguir na luta. Obrigado e parabéns pelo blog e por manter viva a memória cultural de nossa cidade.

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  2. Valeu por você se engajar na causa do território e do povo caiçara!

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  3. Para essa leitura magnífica uma reflexão profunda... Aqui diante do meu olhar pedagógico e amoroso estão os frutos desse lugar histórico , paradisíaco e acima de tudo resistente. Gratidão 🙏

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    1. Que maravilha! Gratidão, amiga. Que o seu esforço seja a sua vitalidade.

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  4. Prosa poética muito bonita! Parabéns, Zé!

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