domingo, 8 de agosto de 2021

PAI JOÃO E A FADA

 

A fadinha do Pai João (Arte da minha Gal)

     A primeira vez que a palavra fada entrou na minha cabeça foi há muito tempo. Eu, criança de tudo, escutava uma história da vovó Eugênia. "A fada - que era uma joaninha, mas que podia se transformar em qualquer bicho -, havia se desencantada e se transformou numa linda mulher depois que caíra no mundéu do Pai João".

     Mundéu é uma armadilha herdada da cultura indígena e muito usada pelos caçadores caiçaras na garantia da complementação alimentar. O costume era armá-lo no começo da noite e somente visitar no dia seguinte, bem cedo. Então...Voltemos à história, prestemos atenção à narrativa da vovó.


    "Pai João dormia um merecido sono porque o dia havia sido puxado lá na roça de mandioca do Morro da Anta. Ele morava sozinho, sem ninguém por perto. A sua casa era como a nossa, de pau a pique, lá perto da Grota da Martinha do Crode. Na madrugada, logo depois da cantoria dos galos, ele escutou uma voz dizendo assim: 'Pai João, Pai João, vá visitar vosso mundéu'. Ele se virava de um lado e de outro na tarimba, mas voltava a escutar: 'Pai João, Pai João, vá visitar vosso mundéu'. Aquela voz não se cansava de repetir: 'Pai João, Pai João, vá visitar vosso mundéu'. Coitado dele. Até perdeu o sono, entendeu que aquela era uma mensagem a ser levada a sério, que não era possível ser coisa da cabeça dele. 

   Pai João madornou, esperou um pouco; só saiu de dentro de casa quando a claridade foi entrando pelos vãos da janela e da porta. O amanhecer ainda estava frio quando ele adentrou na mata, foi ao lugar onde estava a armadilha. Chegando lá, a grande surpresa: uma linda moça  estava presa, tinha desarmado o mundéu. Ele, que esperava encontrar ao menos uma paca ou uma cotia, se assustou. Fez o quê? Foi logo libertar a coitadinha que tinha a perna machucada. Ela agradeceu muito, disse que era uma fada, circulava sempre por ali e que sabia que ele vivia sozinho. Pai João a levou para a sua morada a fim de cuidar do machucado na perna dela.

   Pai João era solteiro, vivia naquele lugar sem nenhuma companhia desde que os pais morreram. Tinha roça por ali mesmo e nos morros, pescava só de vez em quando, sabia se virar bem nos trabalhos domésticos. Chegando em casa logo tratou de preparar um chá de folha de maracujá e de aplicar um emplasto de folha de saião no machucado da moça. Não demorou nada para ela se recuperar. Nem marcas restaram na sua delicada pele. Ele preparava para ela gostosas comidas, doce de mamão,  beijus e as tapiocas recheadas. Era tudo de bom, feito no capricho.

  Assim que se viu recuperada, a fadinha passou a se dedicar ao seu cuidador, a mostrar os talentos que possuía: cozinhava, costurava, ajudava a fazer farinha, cuidava dos peixes secando no estrado do terreiro e contava histórias de lugares que pareciam não existir. O tempo foi passando, foi passando... Pai João já parecia sofrer imaginando o dia em que ela se fosse e ele tivesse de ficar sozinho de novo, sem ninguém para conversar e fazer companhia. Mas aqui vem a melhor parte da história: eles se apaixonaram, nunca mais se separaram e viveram felizes até os últimos dias de vida naquele lugar, perto da Grota da Martinha. Que sorte do Pai João, né?

   A minha finada mãe dizia que, quando ela cantava para ele, os sapos coaxavam,os passarinhos assobiavam e até outros bichos que vivam por perto se esforçavam para acompanharem o ritmo, a melodia que parecia de outro mundo".


Em tempo: Mundéu é o nome do primeiro livro do mano Mingo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário