quarta-feira, 28 de abril de 2021

LEVANTANDO PRÉDIOS, DERRUBANDO ÁRVORES

Embarreamento do Rancho - Perequê-açu -  Arquivo JRS

  
Olha o fandango!- Arte: Estevan


   O estimado Santiago, do alto do seu refúgio no Cambury, se fortalece e produz novas  reflexões para todos; segue dando atenção à advertência do velho cacique de ancestral sabedoria: "Tudo o que acontecer à Terra, acontecerá aos filhos da Terra". E por amor à vida e à cultura caiçara, ele se engaja em movimentos pela VIDA!
  

      Assim seguem os tempos atuais nas antigas terras tupinambás, onde o chão descalço vai sumindo sob o cimento e o asfalto quente. As trilhas vão sendo fechadas por portões e cercas farpadas protegendo a propriedade nova onde antes eram os caminhos de servidão do povo. Mudam até os nomes das praias.

       As ruas bucólicas da antiga pequena cidade litorânea vão se modernizando com seus shoppings, lojas, bares e as velhas casas vão ruindo, descendo sob o peso das grandes pás das máquinas devastando além das paredes e telhados, memórias, histórias que o povo contava nas tardes serenas à beira mar, quando as canoas descansavam da lida marinha.

      Agora as canoas olham as águas e quase não as reconhecem. 

     Onde o progresso não encontra mais espaço vazio, ele compra casas, quantas forem preciso. E derruba-as! É necessário crescer! Nem que seja para cima, já que de tão estreita a cidade entre o mar e a serra já não tem muito espaço. E nesse curto espaço é preciso colocar mais automóveis, mais apartamentos, mais gente, mais propaganda da doce vida à beira mar em suaves prestações a perder de vista. E perde-se de vista também o prometido mar pela janela.  A não ser que se possa adquirir os apartamentos da linha de frente das praias ou a cobertura, para poucos.

        E os resíduos de tudo isso continuam frequentando cada vez mais as águas, já se sentindo em casa, enquanto os peixes vão sumindo, migrando quando podem, os mangues vão sufocando espremidos entre rios retificados e a cidade que se avoluma sobre tudo.

     O cartão postal mais disputado pelas sucessivas administrações que giram na troca de cadeira municipal é sempre a avenida beira mar central. Todas querem deixar sua marca nela. Troca-se a mão do trânsito, destroca-se, põe e tira-se a mão dupla. Tira-se o espaço livre do povo e coloca-se shopping de bugigangas e penduricos “importados” de uma conhecida e movimentada rua da capital. Tira-se rancho de pesca tradicional e coloca-se pista de skate, afinal canoa não tem rodinhas e não é moderna. Põe centro de informações turísticas, tira centro de informações turísticas. Coloca-se estátuas celebrativas de genocídio indígena num espelho d’água que não espelha a verdadeira história, mas a vaidade dos mandatários locais cheios de ideias tão geniais aplaudidas em inaugurações apenas pelos seus pares.  Fincam-se postes de iluminação na areia, sem base que os segure quando a maré encher. E a maré insiste em encher sempre nestas costas tropicais. É preciso avisar a prefeitura ou dar uma tábua de marés para pendurar nas paredes dos gabinetes. Tiram-se os postes e colocam-se atrás das pequenas muretas onde por baixo é areia também... A engenharia explica, ou deveria, se pudesse. Ou talvez ela tape os olhos para não ver o que andam fazendo em seu nome... Tiram o jundu e colocam cimento. O mar sorri quando levanta as placas de calçada e esparrama suas areias de volta aonde elas já estavam há muito tempo. O mar só respeita o jundu. Talvez seja preciso colocar essa palavra no dicionário municipal. Ou chamar um daqueles senhorzinhos antigos, de chapéu de palha, que ficam ali na beira da praia entralhando redes para explicar como isso tudo funciona. Mas desconfio que eles já estão cansados de falar dessas coisas e ninguém escutar. E cansados dessa gente que os olha saindo antes do sol raiar, com suas derradeiras canoas, e miram seus aparelhos celulares para tirarem fotos e postar em redes sociais virtuais onde todo mundo está feliz por vir morar na praia aproveitando o momento tão propício de uma pandemia. Viva o “home office”! O trabalho em casa pela internet. Mas é preciso democratizar o acesso à internet, aprimorar a educação, valorizar os trabalhos que não são possíveis de se fazer em casa, que estão nas ruas, no dia a dia, pegando ônibus lotado todas as manhãs. Mas isso é política pública de base, coisa que não se vê do alto das sacadas alambradas dos apartamentos que vão subindo diariamente. Mais um lembrete para a porta da geladeira dos sucessivos gabinetes municipais.

        Troca-se o calçamento que permite a água adentrar a terra tão sedenta das chuvas pelo asfalto liso, sólido, compacto e feio, mas que se rompe em algumas temporadas de chuva, tão naturais por estas terras atlânticas. (Avisem também a administrações sucessivas que aqui chove bastante).

       Ou não.... Pois é preciso sempre ter verba para tapar os previsíveis buracos por onde se anda.

          Muda-se os trajetos das ciclovias que, de tão planejadas em inclinação e drenagem, quando chove se tornam hidrovias.

      Enquanto as administrações sucessivas disputam qual é mais destruidora do patrimônio natural e da cultural local, vão subindo prédios, vão sumindo árvores. Da noite para o dia, literalmente.

       Há árvores centenárias no caminho do progresso. As cercas não podem desviar. Ou nada que uma boa motosserra não resolva. E um laudo bem assinado por um técnico especialista. Há vários no mercado.

      Há poucos anos, em frente a uma das últimas construções antigas da cidade, embora sua engenharia colonial tenha sido erigida sob a chibata e o sangue nativo e africano, mas que ainda está de pé e já foi câmara municipal, museu e agora é a secretaria de turismo municipal, estava numa prosa com o então secretário de meio ambiente. E ao perguntar sobre as árvores que foram cortadas na orla e estavam ali com seus grossos troncos e raízes expostos aos ventos e aos olhares mais atentos... Estes poderiam ver que seus troncos cortados não apresentavam nenhuma deterioração ou praga, estavam limpos e sólidos.


-Porque cortaram essas árvores?

- Elas estavam condenadas.

-É mesmo?! E por qual crime? 


        Numa terra em que se condenam árvores por taparem a visão do mar para os carros dos turistas na avenida e para poderem sempre remodelar a orla com cimento, não deveria ser de se admirar que os prédios subam da noite para o dia enquanto as árvores descem.    

        E assim segue a vida na terra de Cunhambebe, levantando prédios, derrubando árvores. 








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