sábado, 3 de abril de 2021

MALHAR O MATADEUS OU O CARIOCA?

 

Tia Ana e eu (Arquivo JRS)

      Acordei pensando na querida tia Ana, da praia da Fortaleza, que se aproveita de toda ocasião para demonstrar seu fervor religioso, tal como a tia Maria da Barra, a tia Iaiá, em outro tempo. O texto é antigo, já foi publicado, mas cai bem no espírito da Semana Santa.

     Todos já sabem da importância da repetição e da tradição oral para aprendermos um monte de coisas. Se isso tem um grande valor hoje, no século XXI, imagine em outros tempos, quando até mesmo os livros eram mercadorias raras e poucos sabiam ler. Assim, escutar aquilo que os outros sabiam era de uma satisfação imensa, sobretudo quando éramos, na nossa infância, sedentos por saber e transbordantes de curiosidade em relação ao mundo e às demais culturas.

                A tia Maria, a nossa tia Iaiá, irmã da vovó Eugênia, era a tia de todo mundo e uma adorável contadora de causos. A sua casa, vizinha da moradia do Nhonhô Armiro, no jundu, sempre teve grande movimentação. Quanta coisa linda tinha por ali! Na mesa da sala estava o que mais despertava a nossa atenção: um oratório. A partir dele ouvíamos as narrativas daquela humilde mulher. Lá, partindo de uma gravura onde era retratada a via sacra de Jesus Cristo, demos importantes passos na catequese.

                Se aproveitando de uma tarde escura, com relâmpagos se derramando na linha do horizonte, a tia Maria falou da construção do mundo em seis dias e do dia sagrado de descanso. Depois explicou que, “da ingratidão humana, veio o pecado. Por isso Nosso Senhor Jesus Cristo foi enviado para ensinar os homens a vencerem o mal”. Continuou a titia: “porém os homens rejeitaram o filho de Deus, entregando-o para a crucificação”. Nessa parte, pegando um martelo e pregos enferrujados, ela batia na mesa bamboleante. Era medonho o barulho e as suas caretas significando os pregos perfurando carne, nervos e ossos. Em seguida, se valendo de uma bacia de alumínio e uma concha, o cômodo vibrava todo com uma grande barulheira. Dizia a narradora que “semelhante barulho se ouviu pelo mundo inteiro quando Nosso Senhor Jesus Cristo expirou” e “as coisas se partiram mundo afora, tal como a cortina do Templo de Salomão”. Depois completava: “Vocês não viram ainda aquela pedra imensa lascada sobre a Laje Grande e aquela outra na Ponta? Pois é! Também é daquele tempo, daquele momento de sofrimento do Santo”. De ato em ato, de fala em fala, recorrendo aos meios que tinha em mãos, aprendemos tudo (ou quase tudo); até decoramos os nomes dos seguidores de Jesus, inclusive os dois Judas. "Tem o Judas Matadeus e o Judas Carioca". Bem mais tarde pude fazer as devidas correções. Afinal, um era o Judas Tadeu, enquanto o Judas Iscariotes foi aquele que traiu Cristo, recebendo por pagamento algumas moedas. É o que dizem os evangelistas. Por isso ele é malhado ainda hoje.

Em tempo: tia Maria, a tia Iaiá, foi casada com o tio Lindo do Cedro. Seus filhos: Jonas, Rosa, Aparecida e João.

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