quarta-feira, 18 de novembro de 2020

O TEMPO DA GENTE

 

Rio Grande de Ubatuba, a Barra dos Pescadores (Arquivo JRS)

                Agora é o tempo da gente sim! Como vamos resistindo, sendo parte desta sociedade massacrante de tradições vitais? Eu enumero três passos para um caminho de muitos desafios.

         Primeiro: devemos cultivar esta certeza de que a cultura caiçara é uma tradição vital. Segundo: precisamos, cotidianamente, apurar a nossa narrativa, pois a nossa fala tem muita força. Terceiro: praticar nossos traços culturais é aumentar a nossa auto-estima e contagiar mais gente, trazer pessoas para o nosso lado. Pronto! Está garantida a vitalidade da nossa cultura! Parece fácil, né? Eu garanto que não é tão fácil assim.

      Por volta de 1875, um pensador alemão (Nietzsche) escreveu que o seu tempo já sofria de "uma cultura geral, mas sem civilização e sem nenhuma unidade de estilo". Com isso estava barrado a possibilidade de usar bem o pensamento, a reflexão. Assim estamos nós hoje; há uma massificação cultural. Muitas culturas locais estão desaparecendo por conta da globalização. Quando a gente escuta os mais velhos dizendo que os mais novos têm vergonha do nosso jeito, das nossas danças e costumes, é isto que ocorre: de tanto serem bombardeados por coisas de fora pela televisão, pela internet, pelas músicas, por turistas alienados etc., vai-se perdendo nossas raízes, nossos vínculos culturais. Escutei o seguinte do Eduardo, no Camburi: "Essa moçada, se você chamar para limpar o caminho no qual todos passam, não é capaz de pegar na enxada porque tem vergonha dos turistas se tecendo por aí". Tem também a força contrária de muitas religiões, sobretudo do cristianismo reformado. Seo Zé Pedro, mestre cirandeiro de outros tempos da Picinguaba, me respondeu (em 1992) a respeito da razão de ter se acabado os folguedos por lá: "Antigamente, quando a gente dançava, só tinha a capela na praia, com padre vindo uma vez ou outra. Agora tem umas quatro igreja diferentes, todas elas pregando que dançar é pecado, que isso é pecado, que aquilo é pecado... Desse modo foi se acabando tudo. Tinha dança de São Gonçalo, cantoria de Reis na época do Natal. Muita gente seguia a correria da Folia do Divino. Função não faltava. A noite era pouca para ciranda, cana verde, marrafa, xiba, recortado, cachorro do mato, canoa, calango e mais outras danças. Agora não se vê mais nada disso tudo.  Tudo é pecado, dizem que não pode haver. Agora, roubar pode, viver no vício pode, passar o dia inteiro na praia e pela costeira sem querer trabalhar pode. Aonde vamos indo?".

        Vamos pensar nisto: tendo uma unidade de estilo (o viver caiçara) se cultiva a civilização. Entre nós  - ainda bem!  -   estão elementos favoráveis a uma unidade. Exemplos: grupos de fandangos, associações culturais e preservacionistas, grupos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais de caiçaras etc. Tudo é resistência a uma ordem mundial que deseja sufocar as culturas locais em nome da exploração capitalista, do lucro fácil acima de tudo. Serão os aspectos valorativos de cada um desses grupos que irão formar uma unidade se iluminados por uma reflexão permanente. Assim forçaremos uma outra ordem política, democrática, de partilha e de festa; teremos uma civilização que garantirá as belezas do nosso lugar e as riquezas de nossas raízes caiçaras. Agora me digam vocês: o grupo que acabou de ser eleito (prefeita e vereadores) estão afinados com os nossos desejos de civilização? Os partidos que eles representam têm propósitos que desejam a ordem igualitária ainda mantida em nosso ser caiçara? Que tudo isso sirva de orientação em uma reflexão permanente desde já. Ah! Vamos torcer para quem se corrompeu pela ideologia das classe dominantes conseguir se libertar e voltar para o nosso lado. 

2 comentários:

  1. Resistencia sempre! Pela cultura tradicional, pela vida comunitária, pelo não apagamento da memória e da história dos nossos povos. Força sempre irmão!

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