segunda-feira, 23 de novembro de 2020

ENXERGAR É MAIS QUE VER

Desenhos ao acaso (Arquivo JRS)


          De vez em quando a gente tropeça em coisas valiosas, mas não enxerga. Um desenho na água, umas marcas no sobe e desce das marés, um ajuntamento de fungos na terra, uma imagem na casca da árvores, uma silhueta na folha de caetê, um trançado no ninho do passarinho, um perfume diferente entre tantos perfumes, uma cor entre tantas cores, uma vivência comunitária etc. 

          Talvez tenhamos outras preocupações angustiantes. Pode ser também que os valores tenham se modificados, diferentes de outros tempos atrás. Assim a vida passa sem a gente desfrutar como merecia, sem produzir poesia e sem ver as linguagens diversas no nosso meio ambiente, nas pessoas e na comunidade. Assim nós passamos pela vida.

         Agora mesmo, em prosa com o Santiago, consigo enxergar aquele ambiente no Camburi, sobretudo a mata verdejante daquele entorno. Sinto, aqui distante, aquela comunidade na qual o Seo Genésio se devotou até os últimos dias de vida. Sei que outras pessoas continuam a resistência encampada por ele. Cachoeiras, morros, caminhos, artes, histórias e tudo  mais a marcar aquela comunidade caiçara na divisa entre dois Estados (São Paulo - Rio de Janeiro), são as inspirações do Santiago para escrever empolgantes narrativas que se assemelham a orações, a louvações. Assim se vai registrando tantas coisas que não enxergamos por exigência da modernidade.

        Pensar no Camburi é se lembrar de uma fala do Mestre Genésio, num encontro em torno da luta pela terra em 2001:  

       "Aqui está uma pessoa, um negrão. Eu não vim da África, posso até ter sangue africano, mas eu fui criado ali no Camburi. E não sou só eu, mas todos os  caiçaras que aqui se encontram. Eu tenho certeza do que eu estou falando, eu tenho descendência de quilombo, porque naquela época, não só no meu tempo, mas no tempo da escravatura, vinham muitas pessoas do Estado do Rio de Janeiro se esconder ali no Camburi. Ali eles arrumaram famílias, se formaram, criaram os filhos, muitas famílias vieram para o Camburi". 

        Espero que tudo isso que nos rodeiam, essas poesias, essas falas e essas pessoas inspiradas nos motivem a ver mais a fundo, a enxergar toda essas riquezas da nossa terra e da nossa gente como componentes da nossa utopia.



 

Um comentário:

  1. A prosa dos tempos permeia as existências... Assim seguem as histórias, enquanto houver quem as escreva, quem as conte, quem as escute...todos existiremos. Genésio caminha nos gestos dos presentes e dentro do mar da me
    mória.

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