domingo, 1 de novembro de 2020

O NINHO QUE É O CORPO

Um ninho com dois filhotes (Arquivo JRS)


                Impressionante a natureza! Debaixo de um artefato elétrico, bem protegido pelo beiral, foi construído um ninho. Não demorou muito logo se via as duas cabecinhas espiando o mundo. De repente, vupt-vupt, voaram. Ali ficou a obra em fino acabamento se findando com o tempo. Coisa linda demais!

                Desde criança eu aprendi a admirar esse mundo de belezas nem sempre notadas. As carapaças dos besouros, as pernas dos siris, os espinhos dos pindás, os ovos das aves, as peles lustrosas das cobras, o brilho nas folhas de caetês e os diversos brilhos na água rebendo pelos barrancos, as cascas secas de cigarras, as luzes dos vaga-lumes, o cheiro do bicho maruan, a cica das jacas, o aroma dos jambos, a doçura do ingá, o cheiro da maresia, a cantoria de sabiás, o perfume dos jasmins, o furtum do urubu, a escama sagrada da tainha, a lixa da criciúma, o corte do capim navalha, a resistência da tiririca, as linhas de uma canoa perfeita, a direção das garças no céu, a espichada dos filhotes, a nódoa advinda do engaço cortado quase agora, o suor no semblante de quem labuta, a criatividade dos artesãos e artesãs da minha terra, as poesias de tanta gente boa, a colher de pau no tacho ainda quente, as pegadas do povo do lugar, os dedos nas tralhas da rede, os trançados e seus usos, as mãos que presenteiam, os lábios que compartilham causos e histórias da nossa gente, os acertos políticos para bem viver para todos, o  arco de um bodoque, os músculos que puxam a corda, a resistência do imbé, a dureza da cabiúna, o sabor de banana assada, o cheiro inconfundível das gambás, um caminho de cobra cega, um rastro de lagarto nas areias de uma praia deserta, o grito retinido das arapongas, o cantar dos galos numa sequência na madrugada, o cheiro de cobra pelos caminhos, pingos da beira embalando sonos e sonhos, assobios de saguis nas matas, cheiro de peixe na canoa, sabor cozido de marisco pela casa toda, lenha estalando na quentura, pamonha na folha... Como é tentador tudo isso! 


                       Cuidemos de tudo. Vejamos e sintamos todas essas coisas e esses seres. O corpo é um ninho de onde vivemos o mundo. Amanhã voaremos tal como os filhotes que já se foram. A vida também segue rápida num vupt-vupt. E cada ninho, perfeito ou menos perfeito, voltará ao pó, nutrirá a terra e outros seres que virão se aninhar nesta Terra.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário