domingo, 14 de outubro de 2012

CONSTRUÇÃO DE CANOAS


Mulheres remadoras no rio Puruba.

                O ubatubense Gilberto Chieus Júnior, ex-colega do tempo de escola no “Deolindo”, mestre em Educação Matemática pela Faculdade de Educação da Unicamp, descendente dos donos da Fazenda Velha (produtora da pinga Ubatubana), em 2005 publicou, na Enciclopédia Caiçara (Volume IV), uma entrevista com os irmãos Néri e Manoel, mestres na construção de canoas no Sertão do Ubatumirim.

                Os irmão se alternam para explicar a arte desde a escolha da madeira, passando pelas medidas e outros detalhes. Essa pesquisa, que encerra os conhecimentos, cálculos e técnicas herdados dos mais antigos, desde a localização da árvore na mata até a conclusão da peça, é classificada como Etnomatemática. Vejamos então:

                Desde pequeninho eu comecei a trabalhar pra ajudar meu pai. Fazer canoa, com machado, aprendi com meu pai. Eu ia olhando o que meu pai fazia, via onde batia as linhas, os níveis, o prumo. Não tem como ensinar pra passar pro outro. Você vai olhando e vai aprendendo. Tudo no olhar. Meu pai, acho que foi com um livro que tinha antigamente. Ele viu. E com o meu tio. Meu tio fazia canoas e veio ajudar ele fazer. Depois passou pra nós. E até esses tempos que meu pai tirava eu nem era nascido. Meu pai já criava nós nisso aí. Meu pai criou oito filhos fazendo canoas. Aí ele separava a madeira. A madeira que aguenta fazer cabo, vai virar canoa, madeira pra ficar pro machado, madeira pra fazer gamela, tudo isso ele fazia. Aí a gente ia olhando, pra ver que madeira que era, que madeira que era boa pra fazer remo, tudo isso, não é qualquer madeira que serve. Tem que ser uma boa.

                [...] Ele olhava a olho, e copiava lá. Ele já tinha imaginação, cara. Quem sabe já tem na imaginação, já olha numa árvore e vê onde que é a canoa. Eu tenho isso. O meu pai tem isso, meu irmão Baéco. Eu já tenho a parte certinha da canoa, na tora.

                [...] Aqui você não enxerga nada... então você sobe em cima de morro e enxerga outro. Que madeira que é. O tipo que é, quando cai a folha, você conhece tudo. Então você pega aquele espigão ali, sobe o espigão que você que você acha ela lá, que madeira que é. Não vai lá pensando que é uma madeira que não presta. Vai procurar uma madeira que esteja com ferro, e esses negócios. Às vezes você está procurado um, acha o outro, a gente vai procurar uma árvore de um metro, você não acha essa de um metro, mas acha uns de sessenta, setenta, oitenta, aí você vem com aquilo na cabeça. Eu já sei onde tem a madeira está em tal lugar... é tudo assim... nunca perdemos o tempo em sair pelo mato e procurar pau da canoa. Já sabe mais ou menos onde é.

                [...] A canoa ele mede, é contrário de outras coisas, a gente mede no meio, e do meio pra fora. Canoa norma sete bocas [largura], canoa sobrecurta seis bocas e meia e meia canoa mais comprida sete bocas e meia. Uma canoa tem 0,80 cm de boca. Se tem sete bocas, ela vai medir 7 x 0,80 = 5,60 m.

                [...] Naquela época utilizava a palma da mão e a encomenda era feita da seguinte forma: quero uma canoa com quatro palmos ou três palmos e meio de boca. Como varia muito de cada pessoa, mudamos.

                Como vimos, é importante o registro de todos os aspectos da nossa cultura. Legal é também saber que esses conhecimentos embasam estudos em outros níveis teóricos.
                Desse pessoal, por todas as praias de Ubatuba, estão espalhadas as canoas saídas do Sertão do Ubatumirim.  São as lindas canoas caiçaras!

2 comentários:

  1. Meu avô,João Zacarias de Oliveira (In Memorian) pescador da praia da Maranduba,comprou muitas canoas no Sertão do Ubatumirim!!Como é importante resgatar nossas raízes!

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  2. Olá Zé Ronaldo estou muito feliz pela publicação e tenhos outras o dia que eu estiver em Ubatuba lhe procuro.
    E a nosso amigo Diógilei Tadra que tenho otimas lembranças do seu querido avó. Diógilei sou casado com a neta do João Firmino primo e um grande amigo do seu avó. Minha esposa é a Fatima do João Oliveira.
    Um grande abraço
    Gilberto

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