quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O AREEIRO E A BARREAÇÃO ESCATOLÓGICA



                Para apreciar o espírito brincalhão do caiçara em época eleitoreira, apresento:
                 Tião Sereno, o areeiro, mora há bastante tempo no Ipiranguinha. É um dos “Filhos da  Caçandoca”, daquela leva que foi escorraçada pela Construtora Continental, em 1975. Gosto desse meio parente por parte dos Félix, mas detesto uma característica no coitado: é fundamentalista, vive dizendo uns absurdos a partir da literatura bíblica. Faz-me lembrar do velho Voltaire: “A primeira lei da natureza é a tolerância, visto que todos nós temos uma porção de erros e fraquezas”. Só espero que não chegue à falta de juízo de arrancar um olho caso cometa algo próximo de pecado grave.

                Nesta semana o Tião parou para apreciar o meu trabalho de pedreiro e dar uns conselhos estéticos na obra. Em seguida fez um discurso sobre “um novo Adão e uma nova Eva para a remissão da humanidade”. Machista de última hora que é, remendou deste modo a prosa:

                - Primeiro deve aparecer um novo Adão. Mulher vem depois.

                Em seguida, reparando nuns cartazes recolhidos da esquina, aproveitou para estabelecer um laço com as eleições:

                - Você tá sabendo de uma ‘diarreia de abóbora’ no dia da eleição?

                Percebendo a minha pasmaceira, continuou:

                - Os caras tão pagando bem. Ouvi dizer que cinco mil estarão uniformizados durante a votação, naquela cor quase que barrenta do pretendente ao continuísmo na prefeitura. Muita gente bonita barreará em volta das escolas. Tudo ficará breiado. E por falar nisso: onde já se viu tantas mulheres pretenderem a vereança? Elas têm é que cuidar da casa, educar os filhos sem se descuidar dos maridos. Depois de um novo Adão, aí sim, elas –mulheres - terão novas luzes. Só depois poderão pleitear uns cargos de governo. Nisso já terá aparecido uma nova Eva também. Será o Reino! Viva!

                 Argumentei pacientemente contra a parte fundamentalista e machista, que as coisas não eram assim, os tempos eram outros etc. Mas desconfio que consegui quase nada na minha falação. Por que afirmo isso? Porque, assim que virei as costas, escutei o Tião seguir o seu caminho cantarolando o seu jingles:

                "Eu quero vê Adão lá no podê. Aleluia. Inda hei de vê Adão lá no podê. Do barro sairá. Um barro e um berro. Ale...luiá. Eu quero vê Adão lá no podê".

                Tem jeito um homem assim?

Nenhum comentário:

Postar um comentário