quarta-feira, 18 de abril de 2012

DONA MARTINHA - A PARTEIRA

Esta é a visão da praia Grande do Bonete, a partir de onde morava a dona Maria "Bidu"

                Vou deixar que a dona Maria “Bidu” fale da vovó Martinha, uma mulher “que trouxe tantas crianças ao mundo”, conforme muita gente antiga repetia.

                “Sacrifiço é comum. Tem gente que diz que é bobage. Mais é, sabe quando? Os mais velho tem o dito que no tempo d’ante é que era pió. Não sei não; tenho minha dúvida. É que hoje tem tanta dificurdade!
                Notro dia, bem tarde da noite; numa noite feia, com um ‘cu preto’ pro lado da Bocanha, veio arguém atrais de socorro. Se tratava da comadre Ditanha em dor de ganhá criança. A partêra mais perto era mais de milha, na preia do Sapê.
                Se podia í de canoa, mais o tempo não tava de confiança. Vai que acontece coisa pió, que o ‘remendo fique pió que o rasgado’. Já pensô? Então fui andando mesmo, pelo caminho escuro, proveitando o brilho de curisco que caía a todo instante. Era sorte não tá chovendo ainda. Prevenido que sô, garrei um fifó pra mode cendê no lugá que o mato fechava muito, nem dexava entrá toda luz de trovão.
                Adespois de muita topada e escorregão, cheguei na casa da partêra, a dona Martinha, do Estêvo. A cachorrada –dois ou trêis, acho eu – me cercaro. A chuva grossa veio; uma aguadilha só. Inda bem que a porta se abriu.
                Quem me arrecebeu foi o marido. Não se assustô; já era costumado contecê direto isso (de percisão, da mulhé tê de acudi no meio da noite). Depressinha contei tudo. Sua mulhé já tava de pé, recolhendo arguma coisa que podia percisá. Até uma garrafada vi pegá. E lá fomo nóis rompendo aquele mundo de água,  com trovão se arrebentando em cima da cabeça encharcada.
                A vorta até que pareceu mais curta. Chegamo não fartando muita hora pro raiá do dia. De uma lonjura, mesmo com aquele chuvisquêro, avistamo  lamparina acesa na casa do compadre Salustiano. O hómi tava pra Santos, trabalhando no bananá. Fartava notíça fresca dele. Em casa só ficô a mãe c’oas criança. Inda bem que tudo em vorta é como uma só familha! Ninguém que carecesse de quarquer coisa ficava à míngua, precisando de ajutório. Do tempo que me entendo por gente, tudo era repartido na pobreza.
                Desse modo nasceu o Nastaço e tantos’outro que nem egiste no presente. São defunto no Morro do Cruzêro”.

                E assim mais um serão se ia! Foi onde aprendi tanto dos meus antigos.

                 

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