sexta-feira, 15 de maio de 2020

PARTES DE MIM

Artesanato na Caçandoca (Arquivo JRS)


                Continuo recordando das minhas raízes, de falas e de contatos que me vêm à memória. Com certeza elas estão em mim e passando nos meus! Os nomes Mesquita e Amorim têm origem no mouro, na cultura árabe. A história da caapora ter se juntada ao parente português é a minha linhagem indígena. Na sala da vovó Eugênia tinha a fotografia do pai, um negro cuja mãe, trisavó da gente, foi escrava na praia do Lázaro. A mãe, Laurentina, herdou seu nome de uma branquíssima italiana, por parte da mãe dela. Papai, natural da Caçandoca, dizia que na sua infância “tinha conhecida uma tia que era ruiva e que escutou muitas vezes dizerem que ela era filha do estrangeiro, da Holanda”. (Observação: naquele tempo, depois dos pais, na comunidade todos eram primos, primas, tios e tias).

                Eu tenho irmãos loiros, de olhos azuis, de olhos verdes... Meus primos também variam entre as características das nossas raízes fundadoras. Vicente, um negro impressionante, Toninho, irmão dele, um loiro de olhos azuis; tio Chico e tio Lúcio que se passavam por índios até mesmo entre os índios; a prima Catarina (filha do tio Chico e da tia Maria) morena, de cabelos loiros, de olhos verdes; Jorge, um cafuzo sempre de bem com todo mundo, do time dos fartos beiços. E um monte de gente com cabelos duros, espetados, narigudos...E com olhos puxados: marca número um!

                Quando criança, eu me impressionava com os olhos da tia Izolina: eram azuis demais, pareciam enxergar dentro da gente. Ela morava na cidade de Cunha, distante daqui, mas regularmente nos visitava. (Mais tarde eu notei que a vovó Martinha tinha os olhos do mesmo tom, mas passavam como normais porque ela estava no nosso cotidiano). Nessas ocasiões, mamãe me escalava para acompanhá-la nas andanças pelas casas de outros parentes. Eu gostava porque escutava muitas histórias. Essa tia – Izolina Amorim -  é a dona de  frases marcantes: “Praga eu não rogo, mas bom fim não há de ter”, “Defunto que não conheço não rezo, nem ofereço”...

                Neste planeta, desconfio que é assim com a maioria dos povos. Neste país, essa colcha de retalhos é que nos faz brasileiros! Tem sentido alguém rumar na direção do preconceito étnico, de aceitar a cor da pele como marca de superioridade ou inferioridade? Tem sentido tantas injustiças decorrentes disso? É preciso reflexão sempre! Meu tio-avô Clemente, filho de negra e de mouro, da ilha do Mar Virado, repetia sempre: “Para ser imbecil e atirar no próprio pé não é preciso muita coisa”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário