terça-feira, 19 de maio de 2020

PROSA NO LAGAMAR

Porto do Paru (Arquivo JRS)



          O sol já tinha iluminado tudo, menos o lado do morro onde fica o território do “pessoal do Paru”. Eu, indo para a prainha da Xandra mariscar (porque era maré de Lua era cheia ) , encontrei o Argemiro com uma fieira de peixe. “Madrugou, homem?!?”. Essas pessoas mais antigas acordam antes do galo cantar e dão uma andada para olhar o mar. “Fui na costeira ver como as coisas andam. Aproveitei para ajudar o menino do Paru a puxar a canoa. Bateu um cardume de embetara no tresmalho, todas deste tamanho!”. E eram bonitas mesmo! Eu, que conhecia bem o Argemiro, sabia que ainda vinha história. Ele, tal como o Zezinho Rosendo, mesmo com pressa ainda ficava ao menos uma hora a mais. E ele veio com tudo! “Já que temos pressa, vamos sentar ali, naquela pedra lisa”.

                “No meu tempo de gente nova, como o essa criançada que anda por aí,  a nossa casa era na ponta do Tapiá, onde tinha uma água pequena, mas dava conta da nossa precisão. Era papai, mamãe, minha irmã, meu irmão e eu. Na Pixirica também tinha a família do Velho Bito João. Depois nós saímos dali, fomos de mudança para a Santa Rita porque a nossa roça maior era lá. E tinha a capela frequentada por tanta gente! A mamãe era muito devota da santa! Não demorou muito tempo, o padre resolveu trazer para a Enseada a capela e a santa. Dizem ainda hoje que teve um dedo do Macié e do Bráulio Santos nessa decisão porque eles queriam vender as posses daquela praia. Acredito que era verdade tudo aquilo que se escutava dessa história. Assim que nós saímos, também se mudou a família do Gusto, a família do Bastião Coimbra e a do Targino. Aquela terra toda foi comprada por um tal de Pirani, de São Paulo. O Nirso do Valentim, gente que morava no canto de lá [direito, da Enseada], foi contratado como empregado do ricaço. Agora já faz tempo que eu não ando por lá, mas dizem que tudo aquilo se encheu de casa, uma mais bonita que a outra. E nem quero ver mesmo! Acho que deve ter mudado tanto que eu posso até morrer se ver o lugar!”

                Me despedi confirmando um café para mais tarde, quando estivesse de volta da costeira. Agora o Argemiro já é falecido. Certamente que ele ficaria assustado se visse as transformações na sua Santa Rita, sobretudo em saber que todo aquele mar está poluído por esgoto e óleo dos barcos. Era bem capaz de morrer mesmo!

2 comentários:

  1. Que iniciativa maravilhosa! Continue nos brindando com narrativas tão preciosas. Abraço.

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    1. Grato pela apreciação das coisas de caiçara! Abração.

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