sexta-feira, 29 de maio de 2020

ERA UM FIIIIIUUUUUU CORTANTE

Mãe-da-lua (Arquivo Mary)
Nenê Chiéus (Arquivo JRS)


                Quem passa às margens da BR 101 (Rodovia Rio- Santos), nas cercanias da ponte sobre o rio Tavares, avista casas e pontos comerciais que ladeiam a estrada. Só isso! Não consegue imaginar que, até a década de 1970, era um imenso canavial que ocupava aquela área. Tudo aquilo, que hoje é Jardim Carolina e região, era a Fazenda Velha, dos irmãos Chiéus. Em 2013, tive a oportunidade de conversar com o saudoso Nenê, o último deles, cujo ritual era se deslocar todos os dias do coração da cidade para passar horas no local da antiga sede da cachaça Ubatubana, na estrada para o Monte Valério. Já escrevi a esse respeito, mas sempre escapa algum detalhe da prosa que depois aparece. Naquele agradável dia, após saborear um vinho na pequena casa mantida para esse ritual diário, o Nenê falou muitas coisas, contou muitas histórias. Afinal, desde a década de 1940 eles produziram a famosa pinga. Por ter feito muitas caçadas, imaginei que ele teria alguma história de assombração. Então, cutuquei o homem.

                “Eu vou contar a verdade: não acredito em assombração. Acho que tudo é coisa das cabeças das pessoas. Ali em frente, no Morro da Berta, o pessoal costumava dizer que sempre via e sentia coisas estranhas. De tanto escutar essas coisas, a gente parece até ficar impressionado, querendo evitar passar por esses lugares que têm tantas histórias. Mas comigo aconteceu também. Foi assim: num mês de agosto ou setembro, subi no serão com o Alcides Nunes para caçar;a gente tinha uma seva boa, que não era tão longe. O plano era estar de volta antes do amanhecer. No dia seguinte seria domingo e teria uma festa na cidade porque um deputado estaria visitando seus puxa-sacos. Nem eu e nem o Alcides se importava com isso. Ficamos na espera, no juréu, até depois da meia-noite sem dar um tiro. De repente vem a bulha, parecia um vento quebrando árvores. Mas não era porque nada se balançava por ali. Junto vinha um ronco forte que a gente nunca tinha ouvido igual. De vez em quando assobiava um fiiiiiuuuuuuu cortante e prolongado, mais apavorante que piado de mãe-da-lua. Não chegava embaixo de nós, parecia circular o lugar onde estávamos, num grande jacatirão. Ficamos parados, sem atirar em nada porque nada se via. Ficou quase vinte minutos nisso, rodeando só num sentido. Era barulhento aquilo; não se afastou. Apenas parou de repente, voltando tudo ao normal na mata escura. Tudo era paz. Esperamos, esperamos... Nada de aparecer mais nada. Quase uma hora depois, avistando as Três Marias bem em cima de nós, resolvemos descer. Fomos devagar imaginando que o bicho estivesse por ali. Nada! Mas uma coisa pudemos confirmar: era coisa grande e forte. Um círculo perfeito estava feito em torno da árvore onde estávamos. Era como um carreiro largo, quase uma trilha bem usada. Não conversamos nada até chegar no Morro da Berta. Os dois estavam nervosos porque, certamente, era coisa medonha. Perto da Bica da Onça, novamente o mesmo barulho aparece. Aí eu me arrepiei todo. Aquilo parecia correr rente da estrada, nos acompanhava. Veio vindo assim até a Lagoa dos Patos, onde morava o Zabeu. Eu até falei em parar ali para esperar o dia amanhecer, mas o Alcides tinha outra opinião. Continuamos andando em silêncio. Só no meio do canavial nosso é que voltamos a conversar normalmente. Foi a única vez que vi coisa estranha no mato. Depois dessa, só voltei a caçar mais uma vez, mas não naquele lugar. Então, ali, depois do Vicentão, já chegando no Sertão das Cotias, passou a ser o Rodeado. Quem duvidava da nossa história ia até lá pra ver”.

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