quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

PODE TUDO!

Caminho na restinga da Mococa - Arquivo JRS


    Centro da cidade de Ubatuba. Final de tarde, uma fila para questão do passe escolar. Eu ali, de lado, na fila. Logo atrás um pai e seu filho; depois dele uma mãe e sua filha. À nossa frente ainda se encontrava bastante gente esperando pelo atendimento. A mãe está brava: "Precisei voltar na Vila da Picinguaba, lá em casa, para buscar um documento e resolver logo isso". O pai, jovem ainda, respondeu: "Eu moro no Taquaral, mas conheço a Picinguaba. No domingo passado estive lá visitando um amigo. Por muitos anos trabalhei como guarda-parque naquela região [Parque Estadual da Serra do Mar - Núcleo Picinguaba]. Ela tocou a prosa: "Ah! Então você conhece mesmo! Pois é, o Parque e a Vila não se dão direito, há sempre desavenças, mas fazer o quê? O meu marido, há seis meses pediu licença para mexer no telhado da nossa casa, fazer umas melhorias, mas até agora nada de autorização. Se a gente fosse endinheirada a história seria outra. Você foi lá, viu aquela casa apertando a estrada: é do Bechara. Rico pode, né? Parece que, rapidamente, essa gente que tem bastante dinheiro consegue tudo que quer, mesmo sendo uns absurdos aos nossos olhos e à comunidade que lá vive ou frequenta. A gente se revolta, mas fazer o quê?". (Nota: eu não conheço nenhum Bechara e nem sei se é assim que se escreve este nome).

  Eu ali, na fila, escutando e refletindo no assunto. Recordei que, do terreiro da minha casa, vejo desmatamentos, queimadas, construções subindo os morros etc. Conclui me intrometendo na conversa alheia: "Agora tudo pode. Anteontem, na no alto do Morro da Mina, no bairro da Estufa, avistei uma casa. Sozinha, naquele lugar que até pista de motocross já abrigou, ela é a rainha. Imaginem a vista panorâmica que se tem de lá. Até o mar se vê ao longe. De onde vem a água para se servirem ali eu não sei, mas de uma coisa tenho certeza: o esgoto, pela lei da gravidade, descerá  pelo morro, se infiltrará para o ponto mais baixo. Isto independe de ser barraco ou mansão. Não é de hoje que isso se verifica. Por exemplo, na Picinguaba: tudo vaza para o mar. No caso da Estufa, com o passar do tempo, lá no alto do morro se formará outro bairro, e, considerando que o mar fica meio longe dali, quem será afetado? ". Encerrei a minha fala assim: "Tudo vai sendo devastado. Se não defendermos a terra em que vivemos, morreremos com ela". Os dois não comentaram nada. A fila andou.


Em tempo:

1- A pista de motocross foi empolgação do finado Thomas de Carle e alguns de seus companheiros.

2- Em prosa com o Chico Lopes, há muito tempo, chegamos à solução para o Morro da Mina: reflorestar, fazer daquilo um Parque Ecológico Municipal. Pode ser que a mina d'agua, socorro de tanta gente no passado, ainda reapareça depois da recuperação da mata. Haverá alegria maior?

3- Os Três Poderes se omitem em muitas questões e devem ser responsabilizados pela maioria das catástrofes que ocorrem. No contexto atual brasileiro, vendo consumar a "liberação" máxima, a desproteção jurídica, a falta de fiscalização etc., o que fazer?

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