domingo, 13 de fevereiro de 2022

MESTRE JEQUIÉ

Roda de capoeira - Arquivo JRS

Puxada de rede - Arquivo JRS


    Ubatuba, década de 1970: migrantes chegam atraídos pelo trabalho na construção civil. Eles vêm de quase todos os recantos do Brasil, sobretudo da região Nordeste e do Estado de Minas Gerais. 

    Osvaldo, mineiro de Ipatinga, é capoeirista. Outro grande e modesto praticante dessa arte-luta é Ditão Preto, da Baía de Todos os Santos. Eu, adolescente, me maravilhava em ver suas evoluções nas beiras de ruas do Perequê-mirim. Eram bons! Porém, nenhum deles ousou ensinar capoeira. Coube ao Jequié tal tarefa, pois os interessados foram despontando naturalmente. Havia farta clientela entre os que aqui moravam. Assim nasceu o grupo de capoeira Mandinga de Angola e a primeira leva de capoeiristas e de mestres formados pelo baiano Jequié. Estou pensando agora em quantos até deixaram o país para se fazerem professores no estrangeiro. E lá ficaram!


Olelê, olalá
Lua de prata, estrela no céu
Pra moça bonita eu tiro o chapéu

Águia dourada voando no céu
Abelha rainha, ela não faz mel
Doce que é doce é doce do mel


    Me recordo do começo dos anos 1990, na Caçandoca. Tive o prazer de apreciar o primeiro batismo de capoeira dos meus parentes. Lá estava o Jequié e sua ginga tranquila do seu estilo preferido. Foi lá, na antiga escola, onde outrora ficava a "Venda do Tio José Félix", segundo depoimento do meu pai, que a imensa roda se fez desde a metade da tarde até o escurecer daquele dia distante. O velho Dito Madalena e sua esposa Constantina davam suas bênçãos. Depois, rompi com eles a noite de tormenta até o Saco das Bananas, onde repousei. Estavam contentes por testemunharem o maravilhoso evento, por seus filhos adorarem o Mestre Jequié.


Meu ranchinho é de palha guarecanga e sapê
Meu chapéu que é de palha já vivia aqui no mato
No meio da plantação minha vida é a roça
No meio da plantação minha vida é o sertão.


   Logo vieram as puxadas de rede pelas escolas e a outros públicos. Mestre Alemão, grande parceiro, aceitou o desafio de mostrar à juventude essa herança dos africanos tornados escravos neste Brasil de todos nós. Quem nos apresentou a Puxada de rede e o Maculelê?  Mestre Jequié, lógico!


A minha rede vai sair pro mar
Vou trabalhar meu bem querer
Se Deus quiser quando voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer.


    Triste foi que Mestre Alemão se enveredou por outra trilha no percurso, abraçou uma religião que pregava todo o empenho de Mestre Jequié como práticas pecaminosas. Desse modo ficou abandonado o atabaque. Ou melhor, eu fiquei como herdeiro de tamanha preciosidade. Quanto mais o "Mestre Convertido" poderia ter feito pela juventude e por nós? Estude, minha gente, estude! Reflita para se livrar do pior dos males que é o fanatismo!

   Grande importância tiveram as aulas do Mestre Jequié! Os grupos de capoeira se multiplicaram a partir desse grande ser que, quis o destino, viesse parar em Ubatuba. 

     Mestre Jequié envelheceu na ginga até a doença chegar. 

     Mestre Jequié cumpriu uma missão maravilhosa!


Você é de lua
Eu sou de maré
Com a rede fora d'água
Eu vou dar no pé.


   Grande Mestre Jequié:  seus passos seguirão muito além de onde seus pés alcançaram.


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