sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

PÉ DE MOLEQUE

Cadê o dono disso? (Arquivo JRS)

 
    Metade do dia...sol forte. Na esquina um par de tênis velho e um caderno abandonados. Cadê o dono disso? Cadê os pés que se protegiam nesses calçados e iam estudar na maior animação? Cadê?

   No ponto, onde estava a parada de ônibus mais próxima, dois casais de adolescentes se encontravam na maior empolgação, parecendo as tiribas no cacho de açaí do nosso terreiro. Coisa de molecada. Pelas conversas, deduzi que estavam cabulando aula para irem à praia. Pensei: "Quem resiste a um calor desse? Estar na água, numa praia bem tranquila agora, é as melhor pedida. Ainda mais se for em boa companhia!". Logo me veio à mente o meu tempo de criança, de adolescente que ainda não tinha um emprego fixo. Lá atrás a praia já era a melhor alternativa para nós caiçaras, onde víamos o sair e chegar das canoas e nos divertíamos (jogos de bola, correr onda, jogar taco, comer ostras na costeira, colher araçás, goiabas, manacarus, cajus e outros tantos frutos na restinga, cochilar em ranchos, dentro de canoas etc.). "Coisas de moleque" como se costuma dizer. A propósito, você já comeu pé de moleque caiçara? Pois bem, vou lhe explicar agora:


  Pé de moleque é doce típico feito de farinha de mandioca, melado de cana e gengibre. Mais recentemente eu saboreei uns caprichados pela dona Mocinha, do finado Dito Fernandes. Mas... na feira, aos sábados, na barraca do Fernando, do Ubatumirim, eu já comprei uns de igual capricho, feitos pela mãe dele. É duro e cortado em pedaços, tal como o similar feito com amendoim. Quem não aprecia? Quem não conhece, oras! A seguir, uma prosa de meados de 1970, lá no já referido sertão. Quem nos presenteou com esse diálogo foi o Olympio, quando trabalhava em sua tese de doutoramento.


  Mané Barbosa anuncia: "O Quelementino troxe um pé de moleque pro Agriço". Notando o estudante logo ali, ofereceu: "Aí, seo Olimpio, um pedaço de pé de moleque". E, indicando um terceiro, continuou: "A mãe dele que feiz. Nele tem gengibra e cana. E farinha". Num tom de espanto, o paulistano que passou alguns anos convivendo com a caiçarada brinca: "Cana inteira?". De prontidão o jovem roceiro explica: "Não, é o cardo da cana, o cardo...". Mané Barbosa já emenda o assunto: "O pé de moleque é aquele, eu fazia tanto; agora eu não fiz mais, que nóis moramo cá pra baxo, mais quando eu morava assim no morro, nóis prantava cana...". Já acostumado com alguns detalhes da cultura caiçara, Olympio pergunta: "Se chegar gente, estraga o pé de moleque?". Mané responde: "Se tivé fazendo e chegá uma pessoa de fora, estraga".

   Cadê o pé de moleque? Cadê os pés? Cadê os "moleques"?

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