terça-feira, 25 de janeiro de 2022

NOUTROS TEMPOS

Outros tempo - Aquivo Ubatuba


    Noutros tempos é uma música composta pelo Tio Maneco. De repente encontro uma imagem do ambiente que parece ter inspirado o titio: trata-se do Hotel Budapest, onde hoje é o Casarão, na boca-da-barra dos pescadores, no Rio Grande de Ubatuba. Imagem antiga, antes da abertura da estrada Ubatuba-Caraguá. Parece até uma cena de faroeste, daqueles filmes americanos e italianos que eu não perdia um na adolescência. Certamente que os cavaleiros eram da Serra Acima, talvez condutores de tropas que subiam e desciam o penoso caminho devido ao porto da cidade e ao comércio local (apesar da condição pacata).

  Neste momento, me recordando de partes esparsas da citada música, posso dizer que se trata de uma composição com muita consciência social. Pelo tanto que a ouvi em cantorias, posso afirmar que o grupo, aqueles companheiros do Tio Maneco, a aprovaram. Quando eu perguntei como ele tinha aprendido a fazer músicas, eis a resposta: "Isso vem dos antigos, menino. Parece que herdei deles". Uma conversa nesse teor com Kilza Setti, por ocasião do aniversário do Seo Lica, aprendi que, de fato, vem de longe: "Envolve a gênese da música portuguesa, remontando à ocupação romana, às invasões dos povos nórdicos, à influência  mediterrânica e à cultura oriental que marcou a Península Ibérica. Enfim, às prováveis vertentes tributárias que resultaram, afinal, nessa nossa herança musical". Só lamentei porque ela não se lembrou de falar dos africanos e indígenas. Creio que ainda falta muitos estudos nessa direção.

      Noutros tempo era cantada em ritmo de Alvorada. Assim eram as partes que consigo me lembrar:

Cá na lembrança tenho
Daquele grande hoté
Na praça da entrada da barra
De animá em tropé.

Tudo gente d'outra terra
Aqui'stão de passage
Venda e compra de  produto
Farinha e peixe seco segue viage.

Debaixo da árvore grande
Os animá fica no sombreado
Chico Piché emborsa dinheiro
Pondo água e capim cortado

Depois que se vão embora
À mingua fica o Piché
Rezando por outra leva
De freguês para o hoté.


     De tudo o que pude ouvir do Tio Maneco Armiro e da sua companheirada,  jamais me esqueço do som superior da rabeca  que parecia puxar  a cantoria. Mais tarde pude conhecer o violino, parecendo falar como a rabeca, mas aparentando ser mais chique. O finado Juvenal, em 1979, deu a seguinte explicação para a Kilza: "Antigamente era rabeca; hoje eles qué que seja violino traveiz. Mais é a mesma coisa; a rabeca tem diferença, que é feita de madeira daqui, como justamente é feita no violino também lá; mas lá tem outra preparação. Bem preparado; com bom arco, né? Preparado com bom, qué dizê, como é que vô dizê? Ela já vem envernizada  - lá fora  - aqui não. A senhora compra um violino de madeira branca, fazem de caxeta ou guaiarana". 

     Aqui encerro este texto em homenagem a alguns dos (as) rabequistas  de hoje e de outros tempos: Chico Garcêz, Fernanda Justo, Carolina Rangel, Maria Estefânia, Benega do Avelino, Mario Gato, Marinho, Ostinho, Roberto Ferrero, João Paulo, Dirce da Lagoa, Paulina da Ponta Aguda, Joviano, Olívio Bráz, João Miguel, Tio Maneco, Jovino Leite, Ricardo Nunes...
   

  

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