quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

A QUEDA DO CÉU

Bicuda na praia da Mococa - Arquivo JRS

    O mar está calmo. Uma bicuda (timbale) enorme me deixa contente. Teremos peixe frito. 

     Penso no planeta, a nossa casa. Eu, vivendo agora a praia, a mata, os demais seres no entorno, estou em casa. 

   Me coloco no lugar de Viveiros de Castro prefaciando A queda de céu, obra magnífica de Davi Kopenawa e Bruce Albert: "A queda do céu é rico em lições, entre outras, sobre a incompetência eficaz, a irrelevância maligna, o ufanismo bufão da teoria e prática da governabilidade "nacional" (...) O Estado? Muito bem, muito bom; mas, muito antes dele, há os espíritos invisíveis da floresta, as fundações metálicas da terra, as fumaça diabólica das epidemias e a doença degenerativa do céu - e nada disso tem fronteira, porteira ou porteira (...) Hoje o Brasil está mais para uma incorporação empresarial coberta a perder de vista por monoculturas transgênicas e agrotóxicas, crivadas de morros invertidos em buracos desconformes de onde se arrancam centenas de milhões de toneladas de minérios para exportação, coberta por uma nuvem espessa de petróleo que sufoca nossas cidades enquanto trombeteamos recordes na produção automotiva, entupida por milhares de quilômetros de rios barrados para gerar uma energia de duvidosíssima 'limpeza' e ainda mais questionável destinação, devastada por extensões de floresta e cerrado grandes como países, derrubadas para dar pasto a  mais de 211 milhões de bois (...) Enquanto isso,  a gente... Bem, a gente continua dizendo adeus - às árvores. Adeus a elas e à República, pelo menos em seu sentido original de res pública, de coisa e causa do povo.

    O depoimento-profecia de Kopenawa aparece, assim, em boa hora; porque a hora, claro, está péssima. Neste momento, nesta República, neste governo, assistimos a uma concertada maquinação política que tem como alvo as áreas de preservação ambiental, as comunidades quilombolas, as reservas extrativistas e em especial os territórios indígenas. Seu objetivo é consumar a 'liberacão'  (a desproteção jurídica) do máximo possível de terras públicas ou, mais geralmente, de todos aqueles espaços sob regimes tradicionais ou populares de territorialização que se mantém fora do circuito imediato do mercado capitalista e da lógica da propriedade privada, de modo a tornar 'produtivas' essas terras, isto é,  lucrativas para seus pretendentes, os grandes empresários do agronegócio, da mineração e da especulação imobiliária".

      Estou em casa, na terra que me recebeu. Esse peixe também é da casa. A casa sustenta a vida, as vidas. Cuidemos da casa.



 

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