segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

NININHO DE GUERRA

Nininho - (Arquivo avulso)

 
    O nome dele era Pedro de Barros Souza, sobrinho do Mané, do Josino e do maestro Pedrinho. Outros parentes eu não conhecia nos idos de 1970. Nininho Padeiro, ou simplesmente Padeiro era como o chamávamos. Bem mais  tarde eu conheci a sua irmã, Fatinha, futura esposa do Tio Salvador. Há tempos ela é pessoa de proa na Secretária da Educação no município de Ubatuba.

   Nininho era o entregador de pães e leite do município. A padaria do Mané e irmãos era ali, na entrada da cidade (Vila Guarani), próximo de onde é hoje o Aquário de Ubatuba. Na escuridão, com uma perua Kombi lotada de sacos de pães e caixas de leite, ele ia entregando, nos bares e mercearias, as mercadorias. Chegava até a praia da Maranduba, 25 quilômetros distante da padaria, onde fazia a última entrega e voltava recebendo e recolhendo os sacos e caixas vazias que se encaixavam uma a outra. Naqueles pontos onde ele tinha mais afinidade, se demorava mais um pouco para prosear e tomar uma cervejinha. O bar onde eu trabalhava, no Perequê-mirim, era o local preferido dele. Ali contava histórias, falava da prole (Priscila e Juliano), elogiava a esposa, Regina (?), filha do saudoso Marino Garrido, de Caraguatatuba. Também se realizava nos comentários da sua terra natal, a Paraisópolis querida, em Minas Gerais.

  Nininho, naquele tempo, foi quem mais comentou comigo a respeito de política. A ditadura militar daquele momento era o assunto de seu maior interesse. Ficava indignado com as censuras feitas a peças teatrais, músicas etc. Parece que estou escutando ele agora, cheio de raiva, dizendo: "Você viu, Zezinho, que a música Cálice, do Chico Buarque foi censurada? Cortaram o som dos microfones quando eles estavam cantando, num show". E cantava um trecho da canção: "Como é difícil acordar calado/ Se na calada da noite eu me dano/ Quero lançar um grito desumano? Que é uma maneira de ser escutado/ Esse silêncio todo me atordoa? Atordoado eu permaneço atento/ Na arquibancada pra qualquer momento/ Ver emergir o monstro da lagoa". Nessa parte eu o acompanhava no refrão: "Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue". Em seguida, a indignação do Nininho: "Onde já se viu! Até quando vamos aguentar essa pressão e essa repressão? Me dá mais uma geladinha, daquela estupidamente gelada". Depois, bem embalado na graduação alcoólica, seguia o trajeto de volta. Não sei como nunca se envolveu em um acidente mais grave. Por anos, nunca ele falhou um dia, de domingo a domingo, nas entregas.

   Ontem, somente ontem, soube da morte do Nininho ocorrida em maio passado. Também soube do triste fim do jardineiro Pedro, natural da cidade de Piquete. Os dois foram exemplos de decência, de contribuição à coletividade local, de amizade sincera e boas prosas. Ao pessoal mais novo, faço minhas as palavras da Idalina Graça: "Vida e saúde a essa moçada, filhos da minha terra ou de outras plagas. Que, em sã consciência, possam dar ao meu torrão seu amor, sua abnegação e seu trabalho de cidadãos de que tanto necessita para todos podermos caminhar em um roteiro certo e cumprir nossa missão".

  Meus sentimentos e minhas considerações aos familiares do Nininho e do Pedro, migrantes de outros tempos que acorreram à nossa cidade em busca de melhores condições de vida e que fizeram diferença em meu ser caiçara.

 

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