domingo, 26 de dezembro de 2021

MINHA PRIMEIRA ENTREVISTA

 

Rubens gravando no campo - Arquivo  Ubatuba

    Assim que eu entrei no ginásio (Capitão Deolindo - 1973 - Ubatuba), me deparei com uma novidade: o Campeonato de Futebol Dente de Leite. Sob o comando de alguns desportistas veteranos, juntamente com o repórter Rubens Salles, os adolescentes se constituíam em times para treinar e competir. Alguns dos meus colegas (Abílio, Milton, Zé Roberto, Alex, Luís do Prado, Teide, Marinho e tantos outros) se dedicaram e ficaram conhecidos graças a isso. 

    Rubens Salles, fiquei sabendo muito tempo depois, era irmão da professora Heloísa Salles Teixeira, a "Tia Helô". Era muito estimado por todos, fazia entrevistas para a rádio local, organizava as tabelas de jogos e cooperava sempre que era possível em ações filantrópicas. Infelizmente morreu cedo. Segundo a sua irmã, "a tuberculose, herança da saudosa mamãe, o levou. Apenas a saudade dele e as boas lembranças permanecem comigo".


   Em certa ocasião, no térreo da antiga Câmara Municipal, eu o encontrei. Portava um gravador da época e me abordou: "Será que você, rapaz nativo da terra, poderia me dar uma entrevista?". Prontamente, ainda surpreso, me sentei num banco que havia no espaço que servia de museu e me pus a ouvir o repórter. "Eu tenho algumas palavras e expressões muito ditas pelos caiçaras. Eis a lista. Pretendo ouvir ao menos cinco ou seis pessoas daqui para gravar suas definições. Pode ser?". Fui lendo e explicando a minha compreensão: "Assinzinho..." - mostrando com o indicador e o polegar bem juntos - "...é coisa pequena, um cuí"; "Fiandura é uma quantidade de peixe passada por um cipó, facilitando o transporte"; "Rebuchado ou debuchado é doce de melado"; "Consertada é bebida de melado com pinga e outros componentes. Antigamente era servida para as mulheres que tinham passado por parto, estavam de resguardo e precisavam ser 'consertadas'". No momento desta explicação, o Rubens soltou uma contagiante gargalhada. Esperei o silêncio para continuar: "Seboso, cracachento é o mesmo que sujo, nojento"; "Deslambido é sem-vergonha"; "Relaxado é quem não se cuida, não capricha nas coisas que faz"; "Incréu é quem não acredita, tal como o João Pimenta do Sapê"; "Repolhudo, rescardado são sinônimos comumente usados pelo tio Tião Armiro para dizer que alguém é fraco da mente, retardado"; "Rabo-de-cavalo, moranga, coque, americano, topete, sureco... são arranjos no cabelo, tipos de cortes. O seu, por exemplo, seria classificado como touceira". Novamente ele caiu na risada. Por fim, porque estava atrasado para me encontrar com o Velho Alcyr, do IBGE, conclui: "Outro dia a gente continua, mas agora sossega o facho, ou seja, se acalma aí".     Assim terminou a minha primeira entrevista. Até hoje não soube se foi ao ar, pois raramente eu ficava atento à programação da rádio Iperoig, na época sob comando do Ditinho Góis, filho do Seo Dito e da Dona Preciosa, pessoas queridas da praia da Enseada.

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