terça-feira, 28 de dezembro de 2021

A ILHA DE ONTEM E DO DIA SEGUINTE (II)

Parte da Ilha Anchieta. vista da Praia da Pixirica - Arquivo JRS

     Estou recomendando um roteiro de leitura, o trabalho do Peter Santos Nemeth,  para a minha amiga que se prepara para conhecer a Ilha Anchieta, em Ubatuba.  "Mas esse nome, essa denominação de Ilha Anchieta é nova, né Zé?". "É sim, Sandra. Mas voltemos ao trabalho do Peter. Ele vai nos ajudar".


     Quando eu era criança, a denominação mais comum à nossa ilha em questão era Ilha dos Portos. Com o decorrer dos anos, ouvi muitos outros nomes para a mesma ilha. Serão tratados aqui como nomes falsos da Ilha Anchieta:


1- O primeiro deles, e o mais erroneamente replicado é a denominação Tapera de Cunhambebe. Este engano provém de um documento datado de dezembro de 1610 (SÃO PAULO, 1921: p.114), onde encontramos esta denominação associada ao registro de uma sesmaria em Angra dos Reis, jamais na atual Ubatuba, do litoral norte paulista.

2- Também o nome Pó-Quâ, amplamente divulgado pelo Projeto de Uso Turístico da Ilha Anchieta (FUMEST, 1974) significaria “pontuda”. Porém, se estudados os originais, percebe-se que o Dr. João Mendes de Almeida (1902) procurou “adivinhar” a origem do nome, Porcos, como sendo uma hipotética corrugação dos vocábulos tupis pó e quâ.

3- E por último, Tapira, registrado por Saint-Adolphe em 1845, nome que provavelmente seja o único que possa ter alguma ligação com uma denominação tupi, embora o autor não revele as fontes consultadas impossibilitando uma checagem mais aprofundada.

Recorrendo portanto à fontes mais confiáveis e antigas, encontramos em uma publicação de 1535 de Gonzalo de Oviedo (1852), que a clara justificativa do nome Isla de los Puercos, dado à nossa atual Ilha Anchieta, é “por nela existirem muitos porcos selvagens” (OVIEDO, 1852: p.118, tradução nossa).

[...] é mas adelante diez léguas está outra que se diçe de los Puercos, porque hay en ella muchos monteses; y enfrente de aquesta isla ocho ó diez léguas em la mar, están dos isletas, donde se perdieron portugueses em uma nao, y en el batel se salvo la gente é pobló en la dicha isla de los Puercos algunos dias, y desde allí se passaron a Sanct Viçente. El mismo auctor, Alonso de Sancta Cruz, diçe que mas adelante de esta isla de los Puercos, doçe leguas, está el rio de Sanct Sebastian [...]. (OVIEDO, 1852: p.118, grifo do autor)

Resumindo: eu gostaria muito de poder saber como os indígenas chamavam essas nossas ilhas, mas... por serem ágrafos, nada deixaram registrado. Aqueles topônimos que chegaram até nós são expressões de resistências incorporadas pelos caiçaras ou anotadas por alguns viajantes atenciosos do passado. Os crimes que fizeram contra as etnias a partir da chegada dos portugueses, em 1500, continuam ainda hoje. Línguas continuam desaparecendo, povos são perseguidos, perdem seus territórios aos fazendeiros, a empresas poderosas, a garimpeiros etc., sobretudo agora, com um governo que é declaradamente contra as minorias da nossa Pátria. Escuto um cidadão cantando, abraçado ao violão, um pedaço de uma música aos Santos Reis: "a bandeira segue em frente atrás de melhores dias". Penso: "Incoerente, falso, hipócrita. Quem desconhece que você apoiou esse presidente e o seu discurso de ódio? Melhores dias para quem?"

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