sábado, 6 de fevereiro de 2021

PROSA DE JUNDU

 

Higino em prosa (Arquivo JRS)
     

      Seo Higino, em prosa de jundu, contava de outros tempos, onde o mar era mais usado para se locomover:

      "A canoa era o nosso carro. A gente embarcava de quase tudo nela para levar de um ponto a outro. Quantas vezes, ali no jundu da Barra Seca, a gente não avistava um ou outro, quase todo dia, se tecendo com carga no largo! Quase sempre iam vender seus produtos nas cidade e voltavam com outras compras, coisas diversas, que não havia na roça, no bairro. Raramente iam a pé, com carga. Só se fosse tempo de mar bravo mesmo. Numa certa ocasião, o João Quelementino, do Ubatumirim, trazia nas costas um alqueire de farinha para entregar no Macié. Parou lá em casa para descansar um pouco. Não sabem o que é um alqueire? É uma medida dos antigos, corresponde a 40 litros. No caso da farinha, é o mesmo que 40 quilos. Ele vinha a pé porque o mar estava revoltado e havia um compromisso que não podia faltar. Vocês imaginam alguém carregar, desde aquela distância, mais de 5 léguas, esse tanto de peso? Cada légua está em torno de seis quilômetros. Então, o lugar do Quelementino, a sua moradia distava mais de trinta quilômetros da cidade, onde a gente vendia os nossos produtos e fazia as nossas compras.  

    Ajudou muito, salvou a vida de muita gente, quando o padre Pio conseguiu um barco para fazer o trajeto do lado norte semanalmente. Nelson e Salvador, tios deste menino que aí escuta, eram os tripulantes dele. A dita embarcação, tenho certeza disto, navegava sempre com carga a mais, até correndo risco. Teve uma ocasião que o Dito Freitas, presidente da Colônia dos Pescadores, vendo o barco sobrecarregado, na Barra dos Pescadores, não deu permissão que zarpassem daquele jeito. Não adiantou o padre, nem o representante do prefeito tentar convencer o saudoso Freitas. Era risco demais; poderia afundar e matar gente. O jeito foi retirar um monte de carga. Saiu quase a metade. Dava dó do pessoal, mas havia risco de acidente sim. Só depois de aliviarem o barco, eles tiveram autorização para seguir viagem".

     

Nota: neste momento, em situação muito crítica devido à pandemia (covid 19), meus tios Nelson e Salvador, os condutores do barco do padre, estão se segurando à vida por um fio. 

Um comentário:

  1. Infelizmente, assim como milhares dos nossos, do povo brasileiro, os meus tios faleceram.

    ResponderExcluir