sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O QUILOMBO DA CAÇANDOCA (II)



          A partir desta parte, o cronista, por motivos óbvios, recorre ao uso de nomes fictícios para as pessoas que se intitulam quilombolas. Não é estranho, sobretudo a nós caiçaras, alguém se negar a uma prosa, ter orgulho desse nosso lugar e mostrar-se acolhedor?

         A primeira construção que vejo é de pau-a-pique, o Centro de Artesanato, do Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Quilombo da Caçandoca, conforme indica um banner afixado à parede. O imóvel está fechado, com toda cara de abandonado e o mato invadindo o que um dia deve ter sido um lindo jardim. No meio do jardim, uma antena parabólica toda comida pela ferrugem. Enquanto tiro algumas fotos, um senhor branco, com cara de gente da cidade, passa devagar pela estrada, caminhando com a ajuda de seu guarda-chuvas. Disparo minha primeira pergunta, preciso fazer contato para saber mais sobre o quilombo:

       -  Bom dia, o senhor está passando férias por aqui?

    - Não senhor, sou nascido e moro aqui na Caçandoca. Vim telefonar no orelhão, pedir um botijão de gás, que o meu acabou ontem. Mas o orelhão está quebrado, uma pouca vergonha. Ontem ficamos sem luz e hoje sem telefone! E essa estrada ruim do jeito que está, uma vergonha… uma vergonha! 

      Achei estranho, não imaginei que um branco pudesse ter nascido num quilombo, mas se ele afirmava…

      - Ah, o senhor nasceu aqui? Este lugar sempre foi um quilombo? Quando foi que os escravos chegaram?

       -  O senhor é de onde, mal lhe pergunte?

    -  Desculpe, é verdade, eu nem me apresentei! Meu nome é Chico Abelha (preferi usar o apelido, dependendo do caso facilita a comunicação). Faço pesquisas para o Museu do Folclore de São José dos Campos. Então, o senhor já está aqui há quantos anos?…

      -  72 anos, meu filho, 72 anos…

      -  E o seu nome?

      -  Irineu Santos Neves.

      - Seu Irineu deve conhecer muitas histórias. Não quer me contar como foi que começou o quilombo?

    Seu Irineu moveu o rosto um nadica para o lado e levantou o nariz para dizer:

     - Ah, meu filho, eu conheço muitas histórias, todas elas, mas não vou contar nenhuma não! 

     Falou isso e baixou os olhos, evitando contato visual. É raro a pessoa se negar assim, terminantemente. O mais comum é as pessoas se abrirem, contarem sobre suas vidas, nem que seja para reclamar, mas o seu Irineu mostrou que não estava para conversar não. Nessas horas não tem remédio, é melhor agradecer e tocar em frente. Foi o que fiz.

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