sexta-feira, 13 de setembro de 2013

ESCOLA ISOLADA (II)

Praia Deserta (Ubatuba), depois da Ponta da Fortaleza (Arquivo JRS)

                Ao começar a segunda parte do relatório dos professores Pedro e Vera, meus compadres desde o começo da década de 1990, vem-me à mente a imagem da primeira vez em que nos encontramos: eles retornavam para a Ilha dos Búzios com uma bagagem bem diversificada (até codornas tinham) e as duas crianças pequenas (Sibila e Pedrinho). Na hora eu pensei: “Esses dois são corajosos!”. Foi quando eu confirmei um dizer dos dois: “Estamos vivendo lá, entre os caiçaras-ilhéus, mas para ensinar é necessário mais”.
                Eu creio que vale a pena retomar o texto para  ver a importância da inculturação, de ir na outra cultura para viver a partir de um novo lugar. Imagine, então, o desafio de ser professor nesse novo contexto!

                A criança buziana chega à escola com “grande conhecimento” das interrelações em sua comunidade nos aspectos sociais, econômicos e culturais que, devido à situação insular, são bastante específicos,  além de dar-lhes a total certeza da distância e diferença de outras regiões e culturas. Diante disso, o professor não tem a função de um decodificador sistemático do código escrito, como se fazia, ou fazem alguns devido às pressões, pois os valores da Educação variam tanto que também lá (na Ilha dos Búzios) a comunidade espera que o professor eduque seus filhos.
                Ora, se educar é formar o cidadão, não podemos treinar  crianças de forma que elas saibam ler e escrever, sem no entanto interiorizarem para que ler e escrever.
                Não podemos levar em frente esse  “status de alfabetizado” em que o indivíduo aprende “ba-be-bi-bo-bu” e depois isto não lhe é útil, sendo muitas vezes funcional, pois cobre certas “necessidades” como assinar documentos. Ele assina o documento, porém não consegue avaliar a necessidade disto ou daquilo. Ele é empurrado por uma sociedade que lhe administra necessidades e lhe empurra (sem tempo para o raciocínio e o sentimento legítimo), gerando consumidores e mão de obra barata.
                Para formar o cidadão temos antes de ter a coragem de trabalhar de uma forma diferente, mesmo que alguns não entendam e outros não queiram entender  (pais, diretores, supervisores, professores) como essas novas maneiras de ensinar abrangem melhor os conteúdos e permitem aos alunos a apreensão dos mesmos, além de uma nova valorização da leitura, da escola e da Educação como um todo.
                Por isso se faz necessário o trabalho abrangente com a cultura local em toda a sua complexidade, desde o início da escolarização, para que a alfabetização se consolide como compreensão, visão, leitura de mundo. E assim todo o Processo Educacional se faça pelo educando auxiliado pelo professor, mero facilitador da aprendizagem.
                Pode parecer comum diante da avançada pedagogia brasileira, mas não se vê e não se reflete nas comunidades todos os avanços  que saem publicados, pois sem entender as transformações de sua cultura e sem  valorizar as tradições (imposições da mídia, do consumismo), a escola tem servido de retrocesso, já que reproduz valores impostos sem o verdadeiro conhecimento das necessidades, causas e consequências. O que tem levado ao analfabetismo funcional.
                Aprender não é uma questão de dificuldade, mas de tempo, de ritmo, de se adequar à comunidade que tem tanta tanta coisa que não conhecemos. À vezes exemplificamos algo com tamanha clareza que causa perplexidade os alunos não alcançarem a compreensão necessária, não ampliarem o tema. E, verificando, vemos então que a compreensão enraizada na cultura é, para nós e para eles, passo a passo,  misturada até que ambos ensinem seus significados –seus mundos, seus sentimentos – suas  condições e visões de mundo e então decidam pela continuidade do processo.
                Foi assim que optamos pelo construtivismo sem querer reproduzir com ele o que se vem fazendo nas escolas brasileiras, onde mudam-se os métodos sem mudarem os valores. Tem sido difícil, pois nem todos compreendem a importância de  se começar de novo. Dizem que se deve prosseguir apesar dos erros passados. Porém, acreditamos que prosseguir não significa construir sobre alicerces podres. Temos que limpar a área e recomeçar (o que significa trabalho maior). Muitos prosseguem sem essa “limpeza”; por isso continuamos a assistir a “vergonha do Sistema de Ensino” e o insucesso do povo que, mesmo estudando passa fome e morre ao relento.
                Acreditamos e já vimos resultados em nosso trabalho (o que não é suficiente, pois a luta é pela continuidade do PROCESSO).

                Conclusão:

            Dessa vivência (seis anos) com os moradores da Ilha dos Búzios, foi notável a transformação em toda a família. Seguiu-se um trabalho semelhante em outra escola isolada, na Praia Mansa, depois dos Castelhanos. Seus filhos são caiçaras mesmo!

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