sábado, 22 de dezembro de 2012

O MUNDO NÃO ACABOU

É preciso muita tranquilidade para apreciar o Boi de Conchas.


                Como é importante cada elaboração cultural deste planeta! Imagine a sabedoria dos povos maias, na América Central, ser tão respeitada mesmo depois de tantos séculos da dominação dos povos europeus, das culturas de massas que dominam a mídia! Hoje estamos, de acordo com os conhecimentos dessa cultura indígena, iniciando um novo ciclo.
                É meu desejo que repensemos, neste novo ciclo, todo os nossos hábitos, sobretudo aqueles que são destrutivos em qualquer aspecto da vida. As culturas estão aí para nos ajudar. Cada lenda, cada causo, “cada palha de trança tem uma função”, conforme dizia a vovó Eugênia a fim de que caprichássemos nas escolhidas, esticadas, apertos e dobraduras. Então, já que o mundo continua, vamos nos apoiar no Júlio Mendes para avançar em...
                A lenda do  Boi de Conchas (II)
                Alguns adolescentes, numa manhã radiante, rente aos barcos no Saco da Ribeira, passaram a especular sobre a lenda do Boi de Conchas. O assunto surgiu porque, na rede social, alguém postou vagamente a respeito de cultura popular, de saci e de causos. A história do boi do Cipriano também apareceu, mas muito vagamente.  Eu, na convivência com o Júlio, depois de escutar suas músicas e as manifestações em tantas ocasiões, assim resumi aos alunos:
                A lenda do Boi de Conchas vem do boi do Cipriano, gente de ”Serra Acima”, de lugar que já pertence ao Vale do Paraíba.
 Depois de receber o nome de Ratambufe, lá no Bairro Alto, um lugar entre a Fazenda Santa Virgínia e Catuçaba,  de onde veio há muito tempo o Luiz Monteiro, o “Seo Lica” e tantos outros que ajudaram a fazer a cidade de Ubatuba,  o animal começou a escutar as promessas de que um dia veria o mar.
                Ratambufe foi criando imagens fantásticas do mar e de seus seres, desde as conchas até as belas sereias com seus cantos. Vivia sonhando com o dia em que tudo aquilo se realizaria. Porém, tudo era “conversa pra boi dormir”. Afinal, o tropeiro Cipriano era comerciante e esperava lucrar bem com a beleza e o porte de muitas arrobas do Ratambufe. Por isso que, após o ocorrido, ele se arrependeu muito em ter trazido o boi da “Serra Acima”, do seu lugar. Custou muito tempo para aceitar que a sua mensagem, que as suas promessas foram as responsáveis pelo desastre com o animal. Sorte nossa!
                - Sorte nossa? Como assim? Vários dos presentes exigiram explicações.
                Digo que, com o acontecido, nós ganhamos mais uma contribuição para a nossa cultura. O que se conta hoje é que o boi, a partir de certo ponto, descendo pela rua principal da cidade, não obedecia mais aos comandos de seu dono. Tudo que parecia atraí-lo era o mar, o barulho de suas marolas e o seu cheiro. Chegando à Praia do Cruzeiro, estacou na areia grossa, como se tivesse hipnotizado. O seu dono berrava, querendo conduzi-lo ao  matadouro, mas de nada adiantava. Por quanto tempo ele ansiava por isso?!
                Muitos dizem que se ouvia uma espécie de canto de sereia atraindo o animal mar adentro. E assim se deu: Ratambufe, com a mesma tranquilidade de uma rês que  vai para o pasto, foi se enfiando nas águas claras daquele dia de outono. O mar, prazerosamente, o engoliu. “Não se sabe se morreu ou se nasceu”, dizia o vô Lindolfo, o seresteiro. Dele ninguém achou parte alguma.
                Foi o Zé Capão e o próprio vô Lindolfo os primeiros a darem prosseguimento no causo, na lenda do Boi de Conchas. Testemunharam, num fim de tarde, num serão,  a saída do animal do mar, no mesmo ponto por onde adentrou no território oceânico. Vinha coberto de conchas, todo radiante, ladeado por seres marinhos, sobretudo por cavalos marinhos. Uma melodia inigualável envolveu tudo enquanto ele permaneceu na linha do lagamar, inspirando os seresteiros daquele tempo (da primeira metade do século XX). Depois, na mesma tranquilidade, retornou com seu séquito ao Reino de Iemanjá, onde São Pedro provê o necessário aos pescadores.
 Ao afundar no belo mar, Ratambufe plantou o espanto, a admiração, as crenças e descrenças. Ainda resta hoje, cada vez mais forte,  um boi encantado pelo mar que serve como fonte de inspiração aos nossos cantadores e contadores da cultura caiçara.
               

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