domingo, 14 de junho de 2020

O QUE VEM DEPOIS DA RESSACA?

O mar tem muita força, minha gente! (Arquivo JRS)



                É bonito apreciar o movimento das águas, das marés. Uma ressaca, então, me encanta demais! Não conheço caiçara que não gosta de assistir um espetáculo da força do mar. O mato do jundu é surrado, recebe areia, tocos, ciscos que passeiam com as correntes. Agora, de uns tempos para cá, vem muito lixo também, mas na minha infância era raro encalhar coisas estranhas à natureza. Em dias assim, quando o mar parecia estar puto da vida, a gente tinha o prazer de ir até a beira da praia para ver tudo. Vovó dizia: “Ele até está espumando de raiva!”. Ou seja, o espetáculo ajuntava avós, filhos, netos... Todo mundo! Creio que foi assim desde os primórdios. Depois, a calmaria voltava a reinar. Eu escolhia entre aquilo que encalhava as melhores toras de cortiça para fazer os meus barquinhos. Em geral, se alguma coisa tivesse sido danificada, providenciava-se consertos. O mais importante eram as vidas.

                Hoje vemos governantes e outros (sem-noção ou perverso) defendendo a economia como superior à vida. Que tamanha inversão de valores! “Quando o mar voltar à sua paz, quem irá consertar as coisas?”.  Assim é com a sociedade: ela atravessa períodos bons e períodos ruins. Por exemplo, o município de Ubatuba, no final do século XIX festejava uma ligação ferroviária que ligaria o litoral com o Vale do Paraíba e Sul de Minas. Veio a república, medidas foram tomadas por forças que ainda não foram bem estudadas, faliram os financiadores, acabou o sonho. Mais uma decadência depois das outras (extinção do pau-brasil, fracasso canavieiro e esgotamento da cultura do café) marcou a nossa história. No começo do século XX, poucos dos ricos aqui ficaram, decerto esperando algum sinal no horizonte. Muitos acompanharam a cultura do café para o interior. Só os pobres ficaram, com alguns poucos indo em busca de trabalho na Baixada Santista (nos bananais, no porto...). Voltamos à agricultura de subsistência. “Tendo farinha, peixe e banana a gente vive, meu filho, e faz coisas, luta”. Foi-se a economia, mas ficaram as pessoas!

                “Em 1906, alguns dos últimos fazendeiros que aqui ficaram, sonharam com as atividades do braço colonizador europeu que vinha transformando a fisionomia das fazendas do Oeste paulista, abriram mão das vastas áreas de suas propriedades e doaram-nas ao Governo de São Paulo para a formação de uma colônia agrícola”.  E continua o relato do Seo Filhinho, seguindo um documento de 15 de maio de 1906 endereçado ao prefeito municipal:

                “Comunico-lhe para que leve em nome da Câmara Municipal  ao conhecimento do Dr. Secretário da Agricultura deste Estado, que me prontifico a fazer cessão ao Estado de São Paulo, de terrenos que possuo na raiz da Serra, estrada que vai deste Município ao de São Luiz do Paraitinga, terrenos que calculo mais ou menos duzentos alqueires, com o fim de o Governo aproveitá-lo  para uma Colônia Agrícola, sob a condição de serem medidos e demarcados em lotes alternados. Isto feito, redigirei a escritura deste meu oferecimento. Que a boa vontade do Governo do Estado de São Paulo se torne em breve uma realidade em benefício de Ubatuba, são os meus maiores desejos e terei muita satisfação se houver contribuído para um melhoramento à terra em que nasci. Com toda estima e consideração, sou de V. Sa.  – Conterrâneo e amigo. (a) Francisco Gonçalves Pereira”.

                Foi uma boa decisão. Faz-se urgente, após a ressaca da pandemia atual, repensar a concentração de tanta terra nas mãos de pouca gente, sem produzir nada. “Mais de 70% do que nos alimenta vem dos pequenos produtores deste país”. Tratar de fazer bom uso daquilo que temos deve ser um passo importante após a ressaca. 

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