quinta-feira, 25 de junho de 2020

É INVERNO: VAI QUENTÃO?

Arte na telha (Arquivo JRS)


Estou escrevendo. De repente um cheiro bom toma conta da casa. É de quentão, conforme a nossa tradição quando chega o inverno (mesmo que seja bobo e nem dê para vestir a nossa costumeira proteção para os braços). Que cheiro bom! Então comecei a imaginar os ingredientes e seus caminhos: cravo, canela, gengibre... Tudo trazido do Oriente, da África e de tantas outras terras distantes para o Brasil depois de 1500. Também um monte de coisas foi daqui para os lados deles. E aqui, nasce com o açúcar, a cachaça: a água ardente. “Vai uma pinguinha aí?”. O santo nunca recusa.

        O historiador Laurentino Gomes afirma:

Entre os séculos XVI e XVII, São Tomé, Cabo Verde e as demais ilhas atlânticas ao largo da costa da África – incluindo os arquipélagos da Madeira e das Canárias, grandes produtores de açúcar e também entrepostos de comércio de escravos – funcionaram como um grande jardim botânico para a aclimatação de uma infinidade de plantas que, a bordo das embarcações europeias, deixavam suas terras de origem, cruzavam os oceanos e se adaptavam a outros climas e paisagens. Até hoje, os botânicos já catalogaram  mais de 150 espécies vegetais comestíveis nativas da África Ocidental.

                A necessidade é mãe da criatividade. Sabe-se lá quantas coisas esses povos de longe faziam com esses ingredientes. Certamente os povos africanos também usavam muito o gengibre. Já li em algum lugar que, nos porões dos navios, junto dos cativos, era comum virem algumas raízes, inclusive de gengibre. Será que era para mitigar as dores? Ou serviriam para exalar um gostoso cheiro? Pode ser por tantos motivos... Mas o melhor, nas agruras do trabalho forçado, sob açoite, foi o uso para fazer quentão. Depois, de um “prova aqui, o sinhô vai gostá”, a bebida ganhou a preferência nas noites frias, nas rodas de prosas, cantorias e danças. De lá pra cá não deixamos de ter sempre o nosso quentão. Certa ocasião, no Rio Grande do Sul, ao pedir quentão, me vieram com um vinho quente. É o quentão deles, ué! E roda em todas as festas como o nosso quentão, que não pode faltar nas festas juninas. Mas cadê as festas juninas?

                Junto com o friozinho vem o quentão, vem o cará-roxo, o cará-moela... Melhor: chega a tainha vindo do sul. Que beleza! Agora... com licença, vou tomar o meu quentão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário