Na beira da estrada (Arquivo JRS) |
A fala de agora é na espera de novo tempo, depois da doença. Espera-se novas ideias na construção de coisas novas,
desapegadas dos erros passados. “Milagre
não acontece!”. O Velho Aristóteles, mais conhecido por Ari, funcionário do
Departamento de Estradas de Rodagem (DER), morava quase ali, no morro do
Getuba, chegando na cidade de Caraguatatuba. Tinha um defeito: era esquecido demais. Quase sempre o nosso encontro parecia ser inédito. Com ele, numa tarde no ônibus,
aprendi o seguinte:
“Eu não sou daqui, mas vivo neste
lugar bem mais de quarenta anos. Moro ali, onde ainda tem alguns vestígios da
base do DER. Ainda se vê, da estrada, um tanque de piche. A casinha branca ali
é onde me escondo. Você é de onde?”. Eu falei que nasci no Sapê, que sou
daqui mesmo. “Do Sapê? Eu conheço bem!
Conheço um pessoal dali! Meus primeiros amigos moravam ali: Calixto, Hipólito, Tonico,
Antônio do Prado... Conheci aquele pessoal todo de Ubatuba: Domingos Barreto, Domingos
Soca, Tuta, Dedé, Alcides, Zico, Odócio, Chico Simão... De repente eu até
conheço algum parente seu”. Falei o nome do meu avô e do meu pai. “Ah! Me lembro bem do seu avô. O Seo Estevan,
de vez em quando, também prestava serviço ao DER, carpia a beira da estrada
naquele trecho entre Maranduba e Lagoinha. Gente boa aquele homem!”. Fiquei
contente com ele, agradeci pelo agrado feito.
“De fato, de vez em quando ele estava nesse serviço”. E ele, parecendo que
tinha tomado umas “branquinhas”, continuou animado: “O tempo agora é outro. O meu povo deve estudar, ainda mais agora que o
presidente criou o sistema de cotas”.
Preciso dizer que Ari é negro? Só não imaginava que ele estivesse
acompanhando e refletindo sobre a política de cotas aos negros no ensino
superior. “Todo mundo quer ser feliz, Zé.
Só que, gente preta como eu, já nasce com pontos perdidos nessa busca. Você
também não nasceu salvo porque é gente pobre, que precisa primeiro se preocupar
com o que comer. Mas tem ao menos uma vantagem: é gente branca. O sistema de
governo, agora, com essa medida, mostra um desejo real de integração. Chega a
ser uma afronta ao capitalismo que cria os meios para impedir a felicidade de
muitas pessoas, sobretudo os escurinhos assim, como eu”. Quanta sabedoria!
E Ele continuou: “É importante estudar,
Zé! O enfrentamento das dificuldades, a busca da felicidade, pode depender do
conhecimento. E isso não é milagre, meu povo! Por isso que eu digo: ela, a felicidade, é política!”.
Então me lembrei de outro Aristóteles, o grego, que dizia isso mesmo: “A felicidade é política porque é vivida na pólis”.
Ou seja: a mesma fala, dos Aristóteles, em tempos diferentes. Sorte a minha em querer fixar tal sabedoria: o argumento implica estudo. Ainda bem que tem coisas que esse meu conhecido não esqueceu. Valeu a prosa, Ari!
Nenhum comentário:
Postar um comentário