segunda-feira, 1 de junho de 2020

ARI DE OUTRO TEMPO

Na beira da estrada (Arquivo JRS)


                A fala de agora é na espera de novo tempo, depois da doença. Espera-se novas ideias na construção de coisas novas, desapegadas dos erros passados. “Milagre não acontece!”. O Velho Aristóteles, mais conhecido por Ari, funcionário do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), morava quase ali, no morro do Getuba, chegando na cidade de Caraguatatuba. Tinha um defeito: era esquecido demais. Quase sempre o nosso encontro parecia ser inédito. Com ele, numa tarde no ônibus, aprendi o seguinte:

                “Eu não sou daqui,  mas vivo neste lugar bem mais de quarenta anos. Moro ali, onde ainda tem alguns vestígios da base do DER. Ainda se vê, da estrada, um tanque de piche. A casinha branca ali é onde me escondo. Você é de onde?”. Eu falei que nasci no Sapê, que sou daqui mesmo. “Do Sapê? Eu conheço bem! Conheço um pessoal dali! Meus primeiros amigos moravam ali: Calixto, Hipólito, Tonico, Antônio do Prado... Conheci aquele pessoal todo de Ubatuba: Domingos Barreto, Domingos Soca, Tuta, Dedé, Alcides, Zico, Odócio, Chico Simão... De repente eu até conheço algum parente seu”. Falei o nome do meu avô e do meu pai. “Ah! Me lembro bem do seu avô. O Seo Estevan, de vez em quando, também prestava serviço ao DER, carpia a beira da estrada naquele trecho entre Maranduba e Lagoinha. Gente boa aquele homem!”. Fiquei contente com ele, agradeci pelo agrado feito. “De fato, de vez em quando ele estava nesse serviço”. E ele, parecendo que tinha tomado umas “branquinhas”, continuou animado: “O tempo agora é outro. O meu povo deve estudar, ainda mais agora que o presidente criou o sistema de cotas”.  Preciso dizer que Ari é negro? Só não imaginava que ele estivesse acompanhando e refletindo sobre a política de cotas aos negros no ensino superior. “Todo mundo quer ser feliz, Zé. Só que, gente preta como eu, já nasce com pontos perdidos nessa busca. Você também não nasceu salvo porque é gente pobre, que precisa primeiro se preocupar com o que comer. Mas tem ao menos uma vantagem: é gente branca. O sistema de governo, agora, com essa medida, mostra um desejo real de integração. Chega a ser uma afronta ao capitalismo que cria os meios para impedir a felicidade de muitas pessoas, sobretudo os escurinhos assim, como eu”. Quanta sabedoria! E Ele continuou: “É importante estudar, Zé! O enfrentamento das dificuldades, a busca da felicidade, pode depender do conhecimento. E isso não é milagre, meu povo! Por isso que eu digo: ela, a felicidade,  é política!”. Então me lembrei de outro Aristóteles, o grego, que dizia isso mesmo: “A felicidade é política porque é vivida na pólis”. Ou seja: a mesma fala, dos Aristóteles, em tempos diferentes. Sorte a minha em querer fixar tal sabedoria: o argumento implica estudo. Ainda bem que tem coisas que esse meu conhecido não esqueceu. Valeu a prosa, Ari!


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