terça-feira, 23 de junho de 2020

A DEVOÇÃO DO TIO FRANCOLINO

Meus rabiscos (Arquivo JRS)


                Quando eu era criança uma coisa me impressionava ao ver o saudoso tio Francolino chegando na rodovia, no ponto do ônibus da Praia Dura, vindo do Corcovado com um enorme saco de farinha de mandioca na cabeça, indo vender na cidade: ele sempre estava totalmente suado, pingando mesmo! Assim que acomodava a sua carga, ele tirava a camisa, pegava uma toalha que trazia na sacola, se enxugava, dava um tempo e vestia outra camisa. (Detalhe: os nossos antigos vestiam uma camiseta sob a camisa). Eu acreditava que jamais veria alguém suar tanto. Também, pudera! Ele era obeso e a sua casa era longe mesmo, talvez quatro quilômetros dali. Era notável a disposição deste caiçara que nos deixou faz tempo!

                Vovô Armiro, falecido faz tempo,  se dava muito bem com o tio Francolino. Quase sempre ele também estava levando a sua carga de farinha para vender no centro, depois de ter andado mais de sete quilômetros na estrada da Fortaleza. Naquele tempo, todos se davam bem, conversavam bastante, contavam causos e davam risadas contagiantes.  Era normal, pois se conheciam desde os tempos de criança, eram parentes, trabalhavam e festavam juntos. Eis uma particularidade dele que eu nunca imaginava. Segundo o vovô: “raramente o Francolino não levava a sua viola na canoa quando ia para a pescaria. Conforme a cara do tempo, ela era embarcada bem protegida e dentro de um balaio de taquara. Seu rancho era em algum ponto, rio acima, quase chegando na Folha Seca”. Estranho? Estranho mesmo! Era paixão! “Numa ocasião, numa pegadeira de espada depois da Barra, quase no Saco Grande, lá estava o Francolino também. Todo mundo estava puxando peixe, inclusive ele. A certa altura, depois de retirar a linhada da água, pegou do saco a sua pequena viola paulista que tanto estimava e nos alegrou com umas modas nossas daquele tempo. Era costume cantar duas ou três delas; depois protegia o instrumento, guardava no balaio e voltava a pescar.  A gente gostava. Era uma alegria só! Não demorava muito para alguém pedir mais cantoria. Quase sempre ele atendia aos pedidos. Coisa comum era de mais gente, nas canoas que estavam por ali, também entrar na cantoria. De uns tempos para cá, devido ao excesso de peso, ele não pesca mais, mas continua tocando a sua viola em casa. O primo Jeú, vizinho dele lá no morro, diz que é costume de um grupo se encontrar no serão, no terreiro do Francolino, para as cantorias e prosas. Ele tem um grande carinho pela sua viola paulista. Diz que, depois da mulher e da canoa,  a viola é o sua maior devoção. O nome grafado nela logo que comprou numa viagem de promessa à Aparecida é: Minha santa".

               Tio Francolino: pescador, roceiro e violeiro radical! Tio Francolino: parte de nossas raízes! Só de imaginar as cenas eu ainda me emociono.

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