sábado, 30 de novembro de 2013

A DONA ALMA

Ingá na Praia da Justa (Arquivo JRS)

Há mais de sessenta anos, quando a Grande Guerra já se findava na Europa, sendo os alemães derrotados, aqui em Ubatuba tudo continuava no mesmo ritmo: uns estavam nos roçados, outros pescavam e ninguém perdia a época das caçadas. Tudo herança dos antigos. Outra característica herdada de outros tempos era o temor da noite, dos espíritos malignos que vagavam na escuridão, pelas matas virgens. Os cronistas da época do achamento já descreviam o pavor dos tupinambás nesse assunto. Um traço que também vem desse pessoal é o nosso lado festeiro. Ainda na minha infância era assim: todos festavam em qualquer oportunidade.

No tempo a que me referi no princípio do texto, as crianças brincavam muito e ajudavam nas pequenas tarefas. Poucas pessoas estudavam. As notícias chegavam pelas ondas de rádio. Conforme já disse o Zé Pedro, lá da Fazenda da Caixa, “não havia dificuldade porque não se conhecia outro jeito de se viver”. Só sei que os meninos andavam muito, enxergavam diversão em tudo. Um dos meninos desse tempo é o Zizo. Dele é a narrativa.

“A gente andava por todo quanto era canto. Sabia de detalhes, de novidades, das personalidades mais evidentes e de outras que queriam passar sem serem percebidas. Um exemplo era a dona Alma.

Dona Alma Bestürzend era alemã e morava ao lado do cemitério, no centro da cidade. Imagine com esse nome e morando perto do cemitério! Só isso  já bastava para causar um certo temor! Nós, meninos daquele tempo, sempre passávamos por ali, mas tínhamos medo dela, sobretudo porque ela não cumprimentava ninguém. O que causava admiração em nós eram os cães pastores dela: estavam sempre limpos, bem nutridos. Eram lindos! Nunca tinha passado por aqui aquela raça de cachorro!

Num belo dia, vimos uma movimentação na casa da alemã. Parecia que juntava as coisas e arrumava uns trecos espalhados pela varanda.  Foi quando alguém falou que a dona Alma estava se mudando para outra cidade. Ficar sem a visão dos cachorros foi o que nos  alvoroçou. De repente alguém se propôs ir conversar com a mulher e pedir um dos animais.

- Dona Alma, já que a senhora vai se mudar, poderia me dar pelo menos um dos cachorros?

A resposta dela calou e assustou a todos nós:

- Não darei nenhum dos meus cachorros, pois ninguém vai cuidar deles como eu cuido. Também não os levarei comigo. Eu os matarei".

E assim vivemos mais um episódio medonho na nossa pequena Ubatuba. Então não era pra ter medo da dona Alma?

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