sábado, 23 de novembro de 2013

A GRAÇA DA MISTURA

Caiçaras jogam capoeira na Ponta do Saco dos Morcegos (Arquivo JRS)


O meu bisavô materno, o velho João da Barra, pai da vovó Eugênia, era filho de escrava, da Praia do Lázaro (Ubatuba). De acordo com a vovó, ele, “um negro já clareando,tinha habilidade de padeiro, além de saber negociar muito bem”. Porém, um defeito lhe marcava: adorava farrear. Pelo que pude entender, ele se desfez das muitas coisas que havia conseguido por conta de festas com amigos e mulheres. Por conta disso, nem se sabe ao certo quantos filhos deixou neste mundo. A querida vovó era mais uma dessas crianças. 

Fiz essa introdução só para defender o quanto é importante a todos os brasileiros refletirem sobre a nossa identidade nacional. Afinal, somos uma nação de mestiços. A nossa pátria nasceu com portugueses, índios e negros dando à luz aos formadores de um povo bem singular. Na minha casa, de seis filhos, tem aqueles mais acobreados, derivados da etnia indígena da parte da mulher do velho bisavô Chico Félix, a Anna. Dois são loiros, de olhos azuis e esverdeados; outro é bem o traço de um europeu, herança da dona Laurentina. Nariz de lusitano-árabe não é novidade da parte dos Amorim (vovó Martinha) e dos Mesquita (Nhonhô Almiro), mas tem os achatados, nos moldes da saudosa vó Eugênia.

É na escola, depois da educação familiar, que vamos entendendo melhor as diversas etnias que compõem este Brasil. Somos o que somos porque continua ocorrendo uma infinidade de cruzamentos étnico. Povos diferentes continuam a dar a sua contribuição para nos orgulharmos da denominação que temos: brasileiros sim! 

Nesta terceira semana de novembro, na escola estadual Maria Alice Alves Pereira, no bairro da Marafunda, ocorreu a Semana da Consciência Negra. Os alunos produziram reflexões, confeccionaram obras de artes, desfilaram, dançaram, ouviram palestras dos representantes quilombolas, prestigiaram o show com intensa participação do grupo Ô de casa, do quilombo do Sertão da Fazenda da Caixa. Por fim, uma feijoada comunitária encerrou a semana. Parabéns às devotadas cozinheiras!

Em Sociologia aprendemos que, somente a partir de 1930, os estudos em torno da importância da diversidade de povos para a compreensão do ser brasileiro se avolumam. É de onde evoluimos para ter as atuais leis em favor da dignidade negada -  por tanto tempo! -  a muitos que trabalharam para construir este país. Portanto, assim como defendo a escola como peça fundamental na afirmação de nossas  tradições, também acredito ser imprescindível o seu papel no respeito e no orgulho de vivermos com tamanha diversidade cultural. O povo caiçara, a cultura desse lugar é um exemplo bem específico dessa miscigenação.

Aquela professora (Anilsi Reis), que chegou discretamente me perguntando da possibilidade de repetir o evento do ano anterior, está de parabéns! Merecem elogios todos os outros companheiros e companheiras que se empenharam nas atividades, nos contatos com pessoas e grupos de fora, de outras comunidades! Assim se faz uma escola mais significativa, capaz de enfraquecer a massificação cultural que aí está!

Nada como encerrar este recordando o músico Moraes Moreira:
“Deus me faça brasileiro
Criador e criatura
Um documento da raça
Pela graça da mistura”.

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