sexta-feira, 13 de maio de 2011

Zé da Nhãnhã

         Conheci bem o Zé da Nhãnhã. Não tinha como ficar sério quando se estava por perto desse caiçara que por muitos anos morou em Santos, mas a sua velhice o fez retornar ao seu lugar, ao seu morro querido no Perequê-mirim, onde, apesar de ter a idade de se aposentar, esse caiçara jamais deixou de trabalhar. Por isso, a cada manhã caminhava mais de dois quilômetros para ajudar numa cozinha de restaurante na praia da Enseada. Eu o encontrava a cada dia. O seu cumprimento era assim: “Fronkisting, tit gromitiriam, titi on cambrê. Ion tian!”. Nunca ousei saber o significado de tais palavras. Só restava rir e dizer: “Bom dia, Zé da Nhãnhã!”. Em seguida ele sempre tinha alguma história antes de continuar a sua caminhada para o trabalho.
         Num certo dia, percebendo que ele não sabia ler, quis saber o motivo, pois sempre soube que a escola local era muito antiga. Ele começou a falar sério sobre o assunto, se lastimando por não ter aprendido ler e escrever. Disse que antigamente não era fácil estudar, principalmente quando era o “esteio principal da casa”. Quando estava me emocionando, ele deu outro rumo à conversa. E assim terminou: “Eu fui à escola. Conheci a professora; era bonita pra perder! Comecei a cartilha, mas parei na lição do cachorro, quando fui expulso”.  Ao demonstrar interesse, ele continuou o que estava contando: “A lição do ca-co-cu complicou a minha vida. Bem nessa a professora foi me chamar à lousa para dizer a lição. Conforme ela indicava com a régua, eu ia dizendo: ‘esse é o ca’, ‘esse é o co’ e ‘esse é o cu’. Aí a turma toda riu sem parar mais. E eu ainda caí na besteira de repetir ‘esse é o cu’ mais vezes. O  resultado final: reguadas nas costas e expulsão. De vergonha, nunca mais passei nem em frente da escola. Depois fui pra Santos, onde o tempo era para o serviço. Desconfio que não deveria dizer acintosamente para a professora ‘esse é o cu’, mas disse, né?”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário