quinta-feira, 26 de maio de 2011

Eugênio Inocêncio

                         Eugênio Inocêncio, um parente muito próximo, filho da Maria Balbina, do Mar Virado, era um negro claro de olhos verdes. Ilhéu da gema. Boa parte da vida passou na Ilha do Mar Virado; a outra boa parte viveu morando na Ilha da Vitória, que pertence ao arquipélago da Ilha de São Sebastião, mas é mais próxima dos ubatubanos nas relações de amizade e de comércio. O que lhe restou de vida foi um mínimo de tempo na praia do Perequê-mirim.
         Do Eugênio, bom apreciador da “branquinha” e muito bom de conversa, eu ouvi sobre o “russo da ilha”. Vitorov era o seu nome. Porém, os ilhéus o chamavam de Vito Ovo. Veio com um grupo para o Brasil fugindo do regime comunista, da perseguição de Stálin na União Soviética, logo depois do primeiro quartel do século XX.
         Ao chegarem ao Brasil, do porto de Santos foram encaminhados para a capital, onde as autoridades não tinham ideia de onde acomodar os quase duzentos russos (e russas!). A solução provisória foi encaminhá-los à Ilha Anchieta, onde funcionava a Colônia Correcional.      Colocaram os coitados na praia do Sul, sem nada para comer, nem espaço para plantar. Logo estavam famintos, desesperados. Nesse ambiente qualquer caiçara se vira bem: marisca, coleta frutos e raízes, faz armadilhas para os bichos etc., mas russos... Morreram quase todos intoxicados. Uns dizem que foi por mandioca brava, mas o Eugênio, ouvindo o Vito Ovo, me garantiu que na verdade eles comeram nogas (frutos da nogueira) acreditando serem castanhas. A fome era tanta...
         Victorov, gritava na praia do Sul quando o Constantino (da Vitória) o socorreu. Ainda jovem, e com o poder dos remédios caseiros dos ilhéus, logo se recuperou. Com o passar do tempo aprendeu a língua e a cultura dos caiçaras. Até casou-se e foi pai de caiçarinhas.
         Eugênio, em suas divagações, contava histórias da Rússia (de um lugar beiramar chamado Mezem, de revolução, de palácios fantásticos) que um dia aprendeu sob a jaqueira no Saco do Guaecá, onde morreu de velhice o russo-caiçara Vito Ovo.

(Nota: as castanhas da nogueira eram usadas para fazer sabão e também como combustível de candeia).

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