quinta-feira, 24 de março de 2016

A EXTINÇÃO DA PESCA ARTESANAL TRADICIONAL

         Em seu blog (canoadepau.blogspot.com), o amigo Peter nos apresenta a problemática de se fazer leis gerais para a pesca, sem atentar aos detalhes culturais e às técnicas dos pescadores caiçaras, pondo em risco de extinção o seu modo de vida que por séculos sustentou esse meio ambiente tão específico (de viver entre a serra e o mar). 

Pesca de cerco (Arquivo Chieus)
A complexidade das estratégias utilizadas na pesca artesanal tradicional no litoral norte de São Paulo se reflete na grande variedade de artes de pesca praticadas localmente pelos pescadores caiçaras. Essa variabilidade e diversidade de petrechos desenvolvidos e utilizados pelos pequenos pescadores embora reconhecida pelo CEPSUL, um centro de pesquisa especializado que até abril de 2015 subsidiava o órgão competente (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio) com medidas de ordenamento e fiscalização do setor pesqueiro (ICMBIO, 2015), no entanto, em sua página da internet sobre as “artes de pesca”, o CEPSUL oficialmente lista uma série de “petrechos”, cuja classificação é baseada no resultado de uma única publicação de 1994, do próprio órgão, cujo título é Guia Prático de Tecnologia de Pesca, de autoria de Manoel da Rocha Gamba. 
A pesca artesanal tem características bastante diversificadas, tanto em relação aos diferentes habitats explorados, quanto aos estoques pesqueiros e às técnicas de pesca utilizadas. Um fator adicional de complexidade nesta categoria de pesca são os diferentes tipos de usuários, com diferentes estratégias e conhecimentos de pesca, bem como diferentes comportamentos sobre os locais e espécies frente aos recursos e ao ambiente. (CEPSUL)
Consultada a bibliografia desse estudo de Gamba (1994), salta aos olhos a ênfase de sua pesquisa nas publicações internacionais (61.5%), em detrimento dos estudos relativos à pesca brasileira (38,5%). São negligenciadas pelo autor, e pela Área de Tecnologia da Pesca do CEPSUL, publicações clássicas referentes à pesca artesanal brasileira, feita por pesquisadores de extrema relevância como Schmidt (1948), Mussolini (1980) e Willems (2003), obras que versam sobre os aspectos técnicos da pesca artesanal caiçara no litoral paulista, durante a primeira metade do século XX e que ainda hoje são utilizadas quase que exatamente do mesmo modo
Essa falha gritante, hoje criminaliza as práticas pesqueiras tradicionais dos pequenos pescadores artesanais do litoral paulista, principalmente das artes de pesca realizadas em Canoas Caiçaras. Só nessa região são cerca de 27 diferentes artes/técnicas de utilização do emalhe.
Essa grande injustiça se deve à aplicação fulminante da INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA Nº 166, DE 18 DE JULHO DE 2007 e  da INSTRUÇÃO NORMATIVA INTERMINISTERIAL MPA/MMA N° 12, DE 22 DE AGOSTO DE 2012. pelo novo comando da Polícia Ambiental que atua no litoral norte de São Paulo.
Art. 1º Limitar, nas águas sob jurisdição nacional, a altura máxima da rede de emalhe de superfície em 15 metros, e da rede de emalhar de fundo em 20 metros. Art. 2º Proibir o uso de redes de emalhar, de superfície e de fundo, em profundidade menor que o dobro da altura do pano. Art. 3º A tralha superior da rede de emalhar de superfície, durante a operação de pesca, deverá atuar em uma profundidade mínima de dois (02) metros da superfície, com o cabo da bóia (filame ou velame) não podendo ter comprimento inferior a esta medida. (IBAMA, 2007)

Art. 3º. Para fins de controle e fiscalização: II - As redes de emalhe deverão ser identificadas na tralha superior da rede, no mínimo, a cada 1.000 (mil) metros com o número do Registro Geral da Atividade Pesqueira - RGP da embarcação autorizada a operar com aquele petrecho, podendo ser identificadas com o RGP do pescador apenas quando se tratar de redes de até 3.000 (três mil) metros de comprimento. III - As redes de emalhe transportadas, armazenadas ou utilizadas nas atividades de pesca que não possuam as características e identificação definidas nesta Instrução Normativa Interministerial caracterizam o exercício irregular da pesca com petrecho não permitidoArt. 6º. Proibir a pesca de emalhe por embarcações motorizadas até a distância de 1 (uma) milha náutica a partir da linha de costa. (MPA-MMA, 2012)
Claramente criadas para regulamentar a grande pesca industrial, irresponsavelmente estas regras estão penalizando o pequeno pescador caiçara devido à aplicação cega da "letra fria da lei" pelo entendimento baseado na discricionalidade burocrática dos agentes do Estado devido à prevaricação do próprio Estado, que não montou os grupos de trabalho para a revisão das falhas constantes nestas Instruções Normativas.
Hoje, correndo atrás do prejuízo, a APA Marinha do L.N. está finalizando um documento, construído dentro de um Grupo de Trabalho especial, na tentativa de reverter essa situação de extrema injustiça e imenso impacto sociocultural sobre os pequenos pescadores caiçaras. Caso essa situação não mude rapidamente, estará decretada a extinção do modo de vida caiçara e desta cultura que por séculos sobreviveu de maneira harmoniosa com a natureza. 
Pescadores da Enseada manejando a rede de tróia. Foto: Peter S. Németh.

quinta-feira, 17 de março de 2016

CELEBRAR A MEMÓRIA


Grande puxada de rede no Itaguá, na metade do século XX (Arquivo Ubatuba Histórica)
                       Hoje é dia especial: eu e Gal comemoramos vinte anos de casamento. Só temos a agradecer pela nossa felicidade e pelos nossos frutos: Maria Eugênia e Estevan José.

             Atualmente, olhando tantos rostos desconhecidos que nem se esforçam para responder aos nossos cumprimentos, penso em outros tempos, quando as pessoas se conheciam e eram mais solidárias. De vez em quando, puxando pela minha memória, sinto o quanto foi bom ter nascido numa época onde o consumismo passava longe de nós. Era tempo de pitirões (mutirões), de festas populares, de diversões que não precisavam de nada de fora. Nunca se imaginava essa força da indústria cultural que detona tantas riquezas locais.          Nos estudos sobre os caiçaras, Maria Luiza Marcílio afirma aquilo que pude testemunhar:

               Intenso laços de solidariedade uniam os grupos domésticos vizinhos, colaborando para que a entreajuda fosse regra e padrão de conduta e mesmo de resistência entre os camponeses. Trocava-se alimentos, mas também se oferecia trabalho, solidariedade nos momentos difíceis, de carências, doenças, acidentes e mortes. É questão de honra e de satisfação pessoal e obrigação que se impõe ao nosso caboclo de ontem e de hoje, as várias formas de oferecimento de seus préstimos, para colaborar com seus vizinhos. Com isso, essas populações aparentemente pobres, dificilmente conheceram o fenômeno coletivo da fome (tão frequente, por exemplo, em sociedades agrícolas monocultoras de cereais, como as europeias do Antigo Regime). A fome ocorreu entre nós [no Brasil] apenas nas áreas de grandes latifúndios monocultores de culturas exportadas ou nos grandes centros urbanos. Entre os roceiros havia, quase sempre, “fartura”.
               Era um regime de intensa e arraigada solidariedade, ajuda mútua e reciprocidade. Os que conseguiam safras maiores e pescarias abundantes nunca deixavam de oferecer sua contribuição aos demais, especialmente aos parentes ou aos mais pobres e desamparados, como testemunhava a velha D. Zulmira:... “o pai nunca vendia nada, ele dava...”.

               Nesta semana, comemorando o Dia do Caiçara (15 de março), vale a pena manter viva- memória da cultura que somos.

               Em tempo: Essa Dona Zulmira era minha bisavó, nativa da Praia do Pulso. Seu pai e avô criavam cabras na Ilha da Maranduba (ou do Tamerão), que fica defronte à Ponta do Pulso.

domingo, 6 de março de 2016

ABUNDA

Taturana de fogo ou bicho cachorrinho: este não abunda! (Arquivo JRS)


Entre a serra e o mar está o caiçara (Arquivo JRS)
                Hoje é aniversário do blog. Há exatamente cinco anos, por incentivo da minha esposa, resolvi editar alguns textos em torno da cultura caiçara. Parece que muita gente gostou; mais de cento e sete mil acessos comprovam isso
           Uma das características do ser caiçara é brincar com tudo, mas de maneira a revelar a seriedade que está na brincadeira.  Por isso, nesta data especial, convidei o amigo Júlio, aniversariante recente, carnavalesco, folclorista etc. para dar a graça do nosso ser irreverente.


Parece que um pedaço lá da Lua, caiu na minha rua. Pois é!
A buraqueira que abunda é tão grande que o calo em minha bunda, abunda. Sim! Abunda o calo na bunda de quem anda de bicicleta, de carroça, de charrete e similar.  
Eu já parei de andar de bicicleta, porque a minha bunda já não aguenta mais.
Faz muito tempo que não levo uma pancada na cabeça, daquelas, em que na hora forma um “galo” e que para tirá-lo, na hora, tem que colocar a face chata de uma faca, colher ou, mais eficaz até, o gelo, para abaixar e tirar a dor da saliência.
Quem que criou essa história de “galo”, que se forma na cabeça quando se leva um croque, um cascudo, uma bancada? Não sei! Eu sei que na hora da pancada, ouve-se um canto: aaaaaiiii!
Conforme estava dizendo, faz tempo que não tenho um “galo” em minha cabeça! Coitado do galo, cansado de esperar e já com as cordadas vocais entrando em estado de retração; ora veja, desceu do patamar, melhor dizendo, foi pra bunda, bunda que mesma macia, carnuda, almofadada, transformou-se em calo, devido os trancos, socos, que se toma no selim de uma bike; com isso, a bunda transforma-se em paraíso perfeito para um “galo” desse tipo.
Tem buraco aqui, tem buraco lá, tem em todo lugar; tô me sentindo tatu, guaroçá, guaiamu, corrupto...
O pior de tudo é que tá todo mundo caindo no buraco, se enganando com a promessa que o buraco vai acabar. O candidato faz promessa sem parar, de acabar com abundância de buraco que abunda pelas ruas.  Será? De qualquer forma, pra essa situação, eu fico na esperança de enxergar uma luz no fim do buraco, e grito: - Oooooba, minha bunda vai sarar!
Só terei pena do “galo” que terá que voltar pra cabeça ou arranjar outro lugar para cantar.

Julinho Mendes

Um dos tantos buracos que abundam (Arquivo JRS)

sexta-feira, 4 de março de 2016

QUANTAS COISAS!

Selecionando cambucás (Arquivo JRS)

               Bem-vinda, Gabi!
               Parabéns, Júlio! Feliz aniversário!

           Acontece de vez em quando, mas acontece: a gente fica numa correria, sem muito tempo até para apreciar nosso quintal, as novas flores e mudas que se animam a cada manhã com a chuva e o sol a embalar tudo, principalmente nossas vidas. 
              Coisas boas continuam acontecendo, novas oportunidades de mostrar coisas da nossa terra e da nossa cultura não são desperdiçadas. Agora, por exemplo, estou me lembrando de um doce de cambucá que fiz na última safra, a partir da árvore produtiva do terreiro do Nilo Cabral e da Luzita, meus estimados compadres do Perequê-mirim. Ficou uma delícia! Quer tentar? Primeiro precisa prestar atenção na próxima safra, que pode estar madura, dependendo do período chuvoso, em meados de dezembro.

Mostrando o ermitão (Arquivo JRS)
               Só não pode ficar grudado na casa, como o ermitão na sua concha. Ubatuba tem ótimos lugares, chances únicas de apreciar seus seres e conviver com muita saúde junto à natureza. Viva. Viva tudo isso!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

ADMIRAÇÃO DO TIO ANTÔNIO

Socó-boi. (Fonte: internet)

                Noutros tempos, em Ubatuba, nós caiçaras só usávamos água dos rios, ou seja, não tínhamos água encanada. Algumas pessoas tinham seus poços d’água no terreiro, mas eram poucas. Deste contexto já se passaram cinquenta anos.
                Em cada rio havia um “porto”, uma referência: “Porto da Jorgina”, “Porto da Tia Rita”, “Porto da Tia Santa” etc. Onde a minha mãe se debruçava em vários momentos do dia era o “Porto da Laura”. O “Porto da Vó Martinha” era o último, quase na vargem que se encontra com o Morro do Amorim. Nestes  lugares se areava panela, lavava roupa, consertava peixe, limpava caça etc. Também era onde a gente passava o balaio para pegar camarão, pescava lambaris, muçum, bagre etc. Até cágados eram fisgados por nossos anzóis.
                De vez em quando apareciam uns homens. “É gente da malária”, dizia a mamãe. “Eles tacam veneno na água para matar borrachudo”. Hoje, são funcionários públicos, da SUCEN (Superintendência de Controle de Endemias), com um detalhe: não os vejo com a mesma regularidade de antigamente.
                Naquele tempo, na tarefa de combater borrachudos e outros insetos, eles usava um veneno poderoso. “É BHC”, dizia o papai. Hexabenzeno de cloro.  “Por isso mata tudo”. E matava mesmo! Que crime!!! Lembro-me bem de várias ocasiões em que vi a água esbranquiçada repleta de peixes mortos ou ainda se debatendo desesperadamente, descendo em rumo ao mar. Os camarões até saíam margem acima fugindo da morte que estava na água. Até cágado e marisco do barranco pedregoso morriam. Foi neste contexto que o Tio Antônio Félix contou:

                - Sabe que hoje eu me admirei muito com um socó, lá na ponte que vai para o engenho, perto da casa da Tia Brandina? Foi assim: no pau da ponte estava pousado um socó olhando para a água que arrastava uma montoeira de peixe morto por causa do “veneno da malária”. De repente, ele enxergou um muçum que ainda se debatia. Logo ele mergulhou e pescou aquele bicho escorregadio que seguia para a maré baixa. Era dos grandes, de mais de dois palmos de tamanho. Em seguida voltou ao pau onde estava e engoliu a sua refeição. E aí aconteceu o inesperado: não demorou quase nada, logo o que foi comido já estava saindo pelo outro lado, sendo descomido e caindo de novo no rio. Ao avistar aquele muçum lerdeando na superfície, de novo o socó mergulhou e repetiu o mesmo ritual anterior, inclusive descomendo em seguida. E de novo o socó avistou o mesmo muçum “dando sopa” na água. E ele fez as mesmas coisas: mergulhou, pousou, engoliu e defecou. E fez muitas vezes! Eu fiquei mais de hora vendo a bobeira do socó. Foi de admirar!!!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

SOCIOLOGIA DO TURISMO (II)

Eu e Estevan  defronte a Toca da Velha, na Ilha Comprida (Arquivo Helen)

          O acordo de paz (1563) ocorrido em terras ubatubanas, mediado pelos jesuítas, permitiu que por estas terras fossem chegando frequentadores europeus, sobretudo portugueses. Desse modo foram se estabelecendo e trazendo mais gente. Não demorou muito para se esparramarem ao longo da costa, fundando a vila (1637). E vieram os dízimos cobrados pela religião (e os redízimos a serem enviados para a Condessa de Vimieiro, herdeira de Martim Afonso de Sousa). Enfim, a terra dos tupinambás agora rendia tributos para quem nunca pisaria nela.

          Primeiramente os pobres lutavam para se manterem vivos. Depois vieram as possibilidades de ganhar dinheiro com produtos a serem destinados à área de mineração, ou seja, para as Minas Gerais. Cachaça, farinha de mandioca e peixe seco eram as principais fontes de renda. Já era a segunda metade do século XVIII e o porto de Ubatuba estava em plena movimentação. Logo depois da boca da barra, na Prainha [do Padre], estava o atracadouro. 

          A estrada oficial, depois que atravessava o Mato Dentro, partia da Cachoeira dos Macacos em direção à Vargem Grande (Serra Acima), segundo Félix Guisard, “traçado sobre um antigo carreiro de antas”. Ainda está lá para quem queira conhecê-la! Antes da famosa Guerra dos Emboabas, esse era o Caminho do Ouro, sendo depois realocado para as localidades de Cunha e Paraty. A propósito, aquela via agora está tinindo com um trecho em bloquetes. Vale a pena conferir!

          Quando veio a ocorrer a primeira decadência, em 1787, no território ubatubano estavam abrigados inúmeros engenhos (de açúcar e cachaça), olarias e serrarias. “Em estaleiros próprios construíam-se embarcações necessárias ao comércio de barra afora”. Por ordem do capitão general Bernardo José de Lorena, presidente da Província de São Paulo, “todas as embarcações que zarpassem de seus portos eram obrigadas a se dirigirem ao porto de Santos”. Esta é a base do desenvolvimento da Baixada Santista. Desse modo acabou o livre comércio, principalmente com o Rio de Janeiro, onde os lucros eram compensadores.

          Por volta de 1760 o município estava avançando na produção de anil e de café. Caio Prado Júnior indica os primeiros municípios dedicados ao cultivo do café: Ubatuba, Areias, Bananal e São Luiz do Paraitinga. Vem outra onda de prosperidade para atrair investidores (fazendeiros e comerciantes), exigindo um maior controle das vias, “cabendo a um Regimento Especial ao Real Serviço do Caminho da Serra Acima, para fazer vedar o grande número de desertores facínoras e escravos que ali comumente estão passando sem pagarem os direitos de Sua Majestade”.

          Interessante notar que estrangeiros já se fixavam por aqui. Quem for passear na Ilha das Couves, partindo da Picinguaba, primeiramente cruzará a Ilha Comprida. Atenção que esta informação não se escuta dos condutores das lanchas, no percurso que dura quinze minutos:
          “Na Ilha Comprida, no ano de 1785, há a seguinte ocorrência: o francês Jean Baptiste Raton foi assassinado pela própria mulher. Era possuidor de ouro, prata, escravos, terras e casas”. Entendeu, Benê? Que trabalho interessante podem mostrar algumas escavações na referida ilha!?! Por isso, conte isso aos turistas vindouros!
          
         Em 1797, o tenente coronel Cândido Xavier de Almeida estava no comando da vila de Ubatuba. O mesmo foi presidente da Província de São Paulo entre 1822 e 1824. Na linguagem de hoje: de prefeito a governador. Então não é importante a nossa Ubatuba desde aquele tempo?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

SOCIOLOGIA DO TURISMO

Cruzeiro de Anchieta (Arquivo Ubatuba Antiga)

          O turismo exige formação em todos os sentidos (estudar, pesquisar, visitar lugares, conversar com pessoas...). Ter um turismo de boa qualidade, atender bem aos visitantes e se realizar nisto não são tarefas fáceis. Fácil é sujar tudo, ocupar áreas impróprias, dificultar acesso aos patrimônios públicos etc. A Sociologia do Turismo é um sustentáculo imprescindível para  ser eficiente na dinâmica que gira na relação cotidiano/anticotidiano. Começar entendendo a história é um ótimo começo. Eu, nas minhas limitações, sempre estou querendo contribuir com alguma coisa nessa direção. Torço para estar ajudando alguém. Perdoem-me os historiadores pela minha ousadia numa seara que não é minha. Estando para comemorar cinco anos de blog, vou preparando outros textos nessa direção. 

        Eu costumo partir de um roteiro básico, lembrando que em 1500, por ocasião da chegada dos portugueses por estas bandas, neste território circulavam, entre diversas tabas desde a Baía da Guanabara, os índios do grupo Tupinambá.

      Os tupinambás foram descritos em seus costumes e suas tradições por diversos viajantes e aventureiros europeus, dentre eles o alemão Hans Staden. Desses indígenas nós sabemos bastante coisa. Mas... antes deles, este território (Ubatuba) já esteve ocupado por volta de 1200 anos antes. É o que mostra as escavações arqueológicas nas ilhas (Vitória, Mar Virado...) e no Sitio do Tenório. Outros lugares e outros vestígios ainda continuam obscuros.

         Parando no Cruzeiro, na Praia de Iperoig (ou do Cruzeiro, no centro da cidade), é possível abordar a saga dos tupinambás. Sob a liderança de corajosos caciques da região, a nossa terra foi palco da primeira resistência organizada contra os europeus no continente americano: a Confederação dos Tamoios. Naquele lugar, bem junto ao marco que até já sofreu  tentativa de ser retirado por fanatismo religioso,  você pode explicar a Paz de Iperoig. Foi ali que se firmou um acordo mediado pelos padres Anchieta e Nóbrega para por fim ao conflito entre os tamoios (designação para quem já ocupava primeiro este território) e os portugueses. Aos pés do Cruzeiro, em 14 de setembro de 1563, data em que a Igreja Católica tem no calendário como o dia da Exaltação da Santa Cruz, se estabeleceu a paz, ou melhor, as condições para os portugueses se imporem aos donos da terra. A cada ano, bem ali, deveria se rememorar tudo e dizer a verdade: “Aqui aconteceu a Traição de Iperoig”.  Defendo que foi uma traição porque apenas os tupinambás cumpriram a sua parte no acordo, o primeiro verificado na América, no novo continente.
A Traição de Iperoig foi o sustentáculo para a fundação da vila. Assim já escreveram:

               “Sendo a donatária da Capitania de São Vicente, a Condessa de Vimieiro, Dona Mariana de Sousa Guerra, entre outros beneficiários, doou vasta extensão de terras que compõem hoje o território do município de Ubatuba, a Dona Maria Alves que, por sua vez, doou o necessário a Jordão Homem da Costa para que este fundasse a vila, no mesmo local onde existiu a aldeia de Iperoig”.

            Assim:

              "Por provisão de 28 de outubro de 1637, do então governador geral do Rio de Janeiro, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, a antiga aldeia de Iperoig foi elevada à categoria de vila sob o pomposo nome de Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba".

               Nesta minha contribuição você aproveita para questionar, entender ou explicar os nomes que orientam nossas ruas. 

               Me darei por satisfeito se conseguirmos estabelecer uma Sociologia do Turismo capaz de orientar um desenvolvimento sustentável, que preserve o meio ambiente e a cultura local. Bom turismo!