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| Nossas raízes - Arquivo JRS |
Sempre me pergunto porque eu escrevo das minhas lembranças, dos lugares, das pessoas, das coisas que marcaram minha memória, como se estivesse cheio de saudade. Hoje me peguei refletindo no mesmo tema e tenho uma resposta: é porque nesses lugares, essas coisas e esse tanto de pessoas fizeram crescer o meu corpo, formaram o meu espírito. As casas fechadas, as ruínas, os caminhos impedidos etc. não são fachadas! Na minha memória há gente dentro delas vivendo uma cultura do lugar, desenvolvendo seus afazeres, rezando, festejando e também sofrendo. Quando avisto um morro com muitas mansões, me recordo dos roçados que havia ali, da minha gente lavrando, colhendo, contando causos, transportando em balaios ou nos ombros aquilo necessário à sobrevivência. Quando olho o mato, diviso espécies que em outros tempos seriam coletados para confecção de cestarias, de esteiras; serviriam de remédios, dariam largas gamelas, imensas canoas etc. É, nossos olhos têm imensos horizontes! E nossas memórias também!
A nossa memória se alimenta dela mesma, se retroalimenta e nos fortalece. A minha esposa, ao me ver comendo abacate com farinha de mandioca, diz que é parte da minha memória afetiva. (O primo Marcos também diz isto ao ler determinados textos que eu escrevo). É mesmo! Tal como a ova de tainha assada, o peixe com banana verde, o almoço em família, o ovo cozido com café e farinha, a prosa no jundu, as caminhadas, o artesanato e tantos outros traços culturais que estão além das fachadas de cada um de nós da cultura caiçara. Assim cresceu o meu corpo e se sustenta o meu espírito!
Um exemplo: conheci aquele rio, aquela Barra da Lagoa, quando só havia uma ponte, mas escutei que o povo antigo recorria ao balseiro para atravessá-lo. Bem ali, onde hoje os pontos comerciais deram um fim na mata ciliar, eu conheci o rancho de canoa do Irson e um balcão para atender os que precisavam de uma pinguinha acompanhada de prosa. Depois, em meados da década de 1980, o esgoto da cidade saía por ali. Agora tem duas pontes. Todas as vezes que passo por lá, me recordo de dois meninos pescando: um deles pensava em levar os peixes para casa, o outro me disse que iria vendê-los. Perguntei onde moravam: "Nós somos do Ipiranguinha, mas quase todo dia a gente vem pescar aqui". Já faz muito tempo isso, hoje eles certamente estão casados. Seus filhos não pescarão mais naquele lugar, mas os dois meninos pescadores - do bairro do Ipiranguinha! - juntamente com o saudoso Irson - do bairro da Estufa -, estão na minha memória, são sempre lembrados nas vezes que passo por aquele canal. Já dizia o Mané Bento: "Se os males não aturam, os bens não duram sempre".

Que sua memória, inteligência e sensibilidade continuem a nos dar esses belos textos!
ResponderExcluirGratidão, Jorge. Abraços
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