sábado, 8 de novembro de 2025

CORTE CULTURAL

 

Rosa no terreiro - Arquivo JRS 

      O homem olha a praia e o entorno depois de deixar as ruas da cidade. Calçadas estragadas, sem lixeiras, cimento e asfalto cobrindo tudo, obras na beirada do rio e sobre as pedras das costeiras, muro de concreto querendo segurar a força das marés, terra nua, mato sem jardim, jundu desaparecido, cheiros ruins aflorando de quase tudo...O que é isto tudo e mais coisas que escapam aos sentidos agora? É um corte cultural! Melhor dizer que é resultado de uma confusa arquitetura que veio, recorrendo ao Saramago, "em marés desajustadas sobre a cidade". Onde está a ligação cultural da cidade com o seu povo? Uma ou outra rua tem resquícios de sua história. Uma ou outra praia preserva traços primordiais. Uma ou outra associação defendem a cultura original, onde estão as sementes comunitárias sendo zeladas, mas...

     Muita coisa já desapareceu devido ao corte cultural notado muito bem com o advento do turismo e da especulação imobiliária. O grande desafio é traçar outra arquitetura, remendar os traços culturais, aproveitar as contribuições valorosas que chegaram depois, esclarecer o que está confuso. A natureza precisa ser respeitada, os rios não podem desaparecer... A linha de jambuis ainda é a melhor barreira contra as marés... Cada habitação deveria ser obrigada a ter ao menos uma árvore em sua calçada... Nada deveria apagar a mística, o sabor da nossa terra!

    Um menino pesca na linha do perau, puxa um peixe que faz força. É um cação pequeno, ficou contente, mas diz que por hoje basta porque está com muita fome. O homem olha a praia, contempla o pescador adulto que, no jogo das ondas segue em pé, vai mar afora em sua canoa. Entra na sua cabeça: "Enquanto cada um estiver puxando a brasa para a sua sardinha, a gente só se ferra". Se volta, olha os transeuntes e os veículos que rodam e têm a preferência nos espaços. Apesar da barulheira, a realidade é inquietante. A questão do momento: 

     O que vou semeando para ter uma colheita melhor?


Nenhum comentário:

Postar um comentário