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| Cultivo em casa - Arquivo JRS |
Eu estava me dirigindo à rodoviária, precisava ir até a Caraguatatuba resolver uma documentação pendente. Perto do terminal de ônibus avistei uma pessoa conhecida, Valdemar, o meu colega de infância que negociava, numa banca improvisada, umas frutas que já passavam da hora, estavam feias no meu critério. Parei para prosear om pouco, sem preocupação, porque daquele ponto eu controlava as linhas dos veículos que chegavam e partiam aos seus destinos. Valdemar é nativo do sertão do Ubatumirim, mas era bem criança quando a família se mudou para mais perto da cidade em busca de melhores condições de se viver. Naquele tempo ainda não tinha sido construída a BR-101, o trecho ligando Ubatuba a Paraty. Era quando o meu povo corajoso precisava de horas a pé ou de canoa para alcançar o centro da cidade. Tempos difíceis, né?
Eu adoro encontrar esses velhos companheiros, parceiros de aventuras de outros tempos. Sai de tudo nas prosas dessas ocasiões. Valdemar, por exemplo, era um menino que nunca usava blusa, tinha sempre os braços e pernas desnudos, não se importava com o frio. Era comum vê-lo tomando banho em qualquer tempo no rio que passava perto de sua casa. "Era tempo em que aquela água era limpa, né Zé?". Era mesmo. Do mesmo rio, um pouco mais abaixo, a grande família Yamada fazia o mesmo no tradicional ofurô. Quando a gente estava por ali brincando, ajudávamos o Bernardo, o penúltimo dos irmãos, a buscar baldes de água no rio para assim restar mais tempo às nossas brincadeiras.
Valdemar, com suas falas entremeadas de risadas e besteiras, é uma fonte de histórias populares, guarda muitos detalhes, me ajuda a recordar de fatos que já estão bem distantes. Melhor: tem uma engenhosidade mental inspiradora, dá tons engraçados em suas narrativas que se tornam engraçadas e formativas. Diante de gente assim, eu me pego refletindo sobre o alimento simbólico que é a linguagem para a cultura. No caso, o serviço que presta à cultura caiçara esses contadores e contadoras de causos, de histórias. Podemos dizer que cada contador e cada contadora, cada pessoa que mantém essa tradição oral brinca com a história, vai garantindo a sobrevivência da cultura local. Há, sem dúvida alguma, uma potencialidade permanente nas contações do meu povo! No fundo, esse espírito, esse gênio criativo que transparece nas nossas prosas é continuidade de uma herança milenar da arte de contar histórias. Portanto, é imemorial o talento do Valdemar, Maciel, tia Ana e de tanta gente do meu povo. Termino esta com um dizer da distante Zanzibar: "Se a história foi bonita, a beleza pertence a todos nós; se foi ruim, a culpa é inteiramente minha, que a contei"

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