sábado, 21 de dezembro de 2024

A PRAIA

 

Praia da Santa Rita - Arquivo Clóvis 

Palma de Santa Rita- Arquivo JRS 

   Santa Rita foi a praia de grande parte da minha infância. Nela nadei, mergulhei, pesquei, andei, corri... Dela escutei tantas histórias... Algumas pessoas, caiçaras que nela viveram, tive o prazer de conhecer. Nesta semana, olhando as palmas de Santa Rita exuberantes no nosso terreiro, resolvi escrever dessa praia, umas das mais bonitas de Ubatuba.

    Outrora ali, olhando para o mar, entre as humildes moradias no meu povo caiçara, ficava a capela de Santa Rita. De acordo com a dona Chica, nascida ali, esposa do Argemiro, o simples lugar de reza era circundado dessa palma e outras flores. Ou seja, o jundu arenoso era bonito demais. “Nossa capela era pequena, tinha uma imagem da Santa Rita. O tempo todo tinha alguém indo lá para rezar. De todo lugar vinha gente a pé ou de canoa. No dia da festa, 24 de maio, a nossa praia ficava tomada de canto a canto pelas canoas de outros lugares. Era uma beleza, o padre dizia a missa e depois era só festança. Era uma semana toda. Até bate-pé a mãe do Gusto promovia em sua casa, na sala assoalhada. Ainda hoje não consigo entender como cabia tanta gente. Foi numa dessas festas que o Argemiro falou com o papai para namorar comigo. Assim estamos casados até hoje”. Este depoimento é do ano de 1977, colhido no Perequê-mirim. Do irmão da dona Chica, o Seo Antônio Julião, escutei a justificativa de terem se mudado, juntamente com outras famílias, da tão querida praia: “Tivemos de sair porque o Bráulio Santos, o Maciel e o padre da época entraram num acordo para vender a nossa praia para um tal de Pirani, um milionário de São Paulo. A nossa santa tão querida foi levada para a Enseada, lá fizeram outra capela, perto do armazém do Maciel, mais tarde mudaram mais para cima, tiraram ela do jundu, construíram outra perto das casas do Emboaba e do Giró. Todo mundo ficou triste, mas fazer o quê?”. Do Gusto, que findou o seu tempo de vida como pedinte, pude escutar: “A mamãe não teve nenhuma escolha: eles fizeram uma casinha perto do tio João Graça e nos trouxeram para cá. É onde vivo até hoje com a Antônia, minha esposa que nasceu em Minas Gerais e foi trazida para trabalhar aqui”

   Ah, Santa Rita! Agora tudo ali é condomínio vigiado dia e noite, ocupado por quem tem muito dinheiro e nunca vai imaginar a vida humilde de caiçaras que viveram ali até meados do século XX. É gente que nunca precisará ter devoção à Santa Rita e jamais cuidarão de lindas palmas num jundu que nem existe mais. Certamente que nem muitos caiçaras, descendentes dos antigos habitantes dali, saberão que ali, na costeira da Pedra do Sino, Zé Bráz pregou a peça do fim do mundo em muitos crentes do nosso lugar. Ficou para a história esse traço arteiro dos caiçaras. Ah, Santa Rita de outros ares desse chão tão especial!

2 comentários:

  1. É Zé, a vida já não é mais a mesma, o mar já não reflete o azul do céu, a paz que havia já não existe mais. A ganância da especulação imobiliária fechou os acessos que eram livres!

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  2. Pois é! E ainda tem pobre defendendo que não se deve taxar as grandes fortunas!

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