sexta-feira, 4 de junho de 2021

PLATEIA NA PANDEMIA

 

De longe, parece o Antônio no mato (Arquivo JRS)


             Cheguei no portão: "Cadê o Antônio?". Nair, toda radiante, diz que ele subiu no morro, foi olhar a roça e outras coisas. "Não temos saído quase de casa... só por precisão".  Ainda bem! Agora, em tempo de pandemia, todo cuidado é pouco. Mais tarde, voltando, o encontrei na subida da rodovia. "Passasse em casa?  A gente se cuida bem, sabeis?". Máscaras, me garantiu ele, além da que cobre o rosto, outras três seguiam no bolso. Uma garrafinha de álcool não saía da bisaca por recomendação da Nair. “Tá certa ela, mas acho que é até exagerada a minha mulher”. E quando volta então?! Coitado do Antônio! Tem de fechar o portão e já ir deixando as roupas e passar pelo chuveiro do lado de fora, perto da porta da cozinha, de água fria. “Isso é o de menos porque tenho o costume de me banhar só em água fria mesmo. Mas a mulher tá certa, né? Já teve uma porção de amigos que não aguentaram o baque, acabaram abotoados no paletó de madeira. A tal de covid-19 não é mole não!”.

        E assim, o casal, sem filho algum, segue a vidinha. Ela faz uns doces, vende na vizinhança; ele pesca, mas agora está tudo parado, sem turista para vender. O que melhora a situação são as coisas da roça (inhame, cará, mandioca, batata-doce, taioba, banana...).  “Lá no morro tenho um pouco de cada coisa. Até dá para repartir com quem mais precisa”.

        Mais gente, da vizinhança deles, também repara na rigidez da esposa do Antônio. E gostam! Mas gostam do quê? As mulheres das casas vizinhas, sabem do ritual dele por ordem dela. Por isso dão um jeito de se postarem em lugar apropriado, de onde se avista o portão e seu entorno. Vigiam e marcam horário. Grande satisfação é admirar aquele marmanjo pelado, indo para a chuveirada. E ele? Me confessou ter cismado faz tempo, que percebeu a movimentação diferente, mas não fez questão de comentar com a Nair. “Ela, brava igual siri na lata,  se souber é capaz de armar a maior confusão com as amigas. Não quero saber de ‘barraco’ perto de mim, muito menos na minha família!”.  Todo alegre, acrescentou: "Antes eram duas ou três, as de mais de perto; agora é um monte delas. Acho que uma comenta com a outra e assim por diante. Pelos vultos, tem umas delas que são do pé do morro, longe de casa”.                                  

       “Que plateia!”. Ele, sorrindo como de costume, está gostando. “Até vou sentir falta quando a vacinação chegar para todos e eu tiver de largar o costume de largar a roupa assim que entro pelo portão. Tá melhor que no Bloco da Cachorrada você não acha? Aquele mulherio olhando a gente!”.  Escutei a prosa dele com curiosidade, vendo aonde ia chegar. Nunca imaginei de ver gente se aproveitando da epidemia dessa forma. Esse caiçara, gente dos Barbosas, tem cada uma!

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