sábado, 12 de junho de 2021

IZIDORO VIROU FUMAÇA

 

Uma rosa em casa (Arquivo JRS)

    As flores parecem agradecer nossas atenções. Não tem como eu deixar de vistoriar e apreciar a natureza no nosso quintal a cada dia. Um broto novo aqui, uma flor em botão ali, uma borboleta voejando acolá... As plantas e a terra debaixo dos meus pés me animam, fazem pensar em minha família nos enfrentamentos no mundo, nas alegrias e nos prazeres tão essenciais a nós. Esses traços  - de ligação com a terra e de cuidar das plantas - vem da família, dos meus entes queridos. Meus avós tinham terreiro repleto das mais variadas flores, dos mais variados perfumes; meus pais nunca desaprovaram eu mexendo, plantando, podando etc. Minha esposa me conheceu assim e gosta do nosso espaço. Minha filha sempre acha um tempo para se devotar aos vasos e mudas. Meu filho reclama quando me vê podando, acha exagero.

    Minha vó Martinha sempre chegava em casa com uma planta diferente ou uma flor para presentear. Apanhava pelos caminhos ou quintais alheios. E ainda costumava visitar cemitérios prestando atenção se havia alguma muda a ser adquirida! É mole?  

    Então me lembrei que a Idalina contou uma história engraçada, acontecida com a Mariana.


  Mariana olhou-me e disse sorrindo: 

  -  Vou contar uma história verídica, que passou a ser lenda na boca do povo. 

  -  Como sabe que é verídica?

  -  Pois sei; passou-se comigo. 

  -  Bem, então é verdade. Conta lá, Mariana.

  - A senhora sabe que eu sou quimbandista e como tal fui fazer um despacho no "cimintério" às quatro horas da manhã. Antigamente, o muro de lá era mais baixo e eu era mais moça, assim foi fácil transpô-lo. Terminada minha tarefa, eu tinha a maior pressa possível de sair dali. Assim foi que, dando um impulso ao corpo, formei o pulo, indo justamente esbarrar num cesto repleto de pães, que o feliz padeiro assobiador, precisamente naquele instante, por ali carregava. O grito estridente e pavorosa que deu me fez gelar o sangue nas veias. O padeiro, nem sombra. Este virou fumaça. Refeita do meu espanto juntei os pães como sapinhauá na praia. Escondi a maior parte na rasteira relva que ali crescia em profusão, para quando houvesse oportunidade ir buscar o restante. Já era quase dez horas quando, indo ao mercado, a custo contive o riso. Pois era voz corrente que um fantasma havia agredido, na porta do "cimintério", o Izidoro, para roubar os pães, pois não se encontrou um só para contar a história. Quem passou bem fui eu, comi pão a semana toda.

 Olhei para o rosto moreno sulcado de rugas, mas feliz ao recordar façanhas da sua mocidade. 

  Quase no final do século XX,Idalina se mostrava alegre por boas lembranças da vida caiçara em Ubatuba.

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