quinta-feira, 18 de outubro de 2018

CALADINHO, O VENDEDOR DE SORVETES



           
A  minha flor já está eleita (Arquivo JRS)
            Caladinho não tinha este nome. Passou a ser chamado assim depois de ter batido a cabeça durante um plantão noturno num hospital, enquanto carregava uma carga de roupas para lavagem e desinfecção. Só foi encontrado quando o dia amanheceu, estava desmaiado entre panos contaminados além do máximo que ousamos imaginar. Depois disso, após um longo período em recuperação, foi despedido do serviço. Também a mulher o despediu. A solução foi voltar para a casa da mãe. Dois filhos o seguiram. E agora? Nenhuma empresa, até o presente momento, deu a mínima atenção ao seu currículo. Por isso, Caladinho vende sorvetes pelas ruas, na avenida da praia. Vai vivendo, vai tocando a vida miserável. Está magro de fazer dó. É um coitado sempre espreitado pelos oportunistas que o enganam regularmente.

            Há pouco tempo passei a conversar mais com Caladinho. Parece que agora está se encantando com uma moça bem humilde. Os dois deram um jeito de se encontrar sempre: ir à escola e na igreja. Boa estratégia, né? Quanto à escola, acho uma boa mesmo. Ela faz o papel de inclusão nesse caso.  Em relação à igreja, tenho minhas dúvidas, principalmente agora que ele me disse que a orientação do pastor é que todos votem no candidato que faz apologia à violência contra as minorias. No culto ele falou assim, segundo Caladinho: “Quem vota no candidato indicado por mim levanta a mão. Aleluia, Glória a Deus”. Eu já esperava isso, pois li que o líder máximo da sua religião, fundador de filiais da sua igreja em tantos países, empresário forte no ramo da fé, pediu isso aos seus contribuintes. O coitado ficou sem jeito de me contar que votou na chapa distribuída aos fiéis. “É irmão da igreja. Ele é cristão, a favor da família, sem esse negócio de banheiro para homem e mulher que não é uma coisa nem outra. O pastor falou que é alguém novo, diferente”.          Ôôôô, coitado! Político de carreira com quase trinta anos sem um projeto de destaque, só vivendo assim, é novidade capaz de dar esperança aos pobres?
          Então, eu fui conversando com muito jeito com cidadão, expliquei o que é racismo e homofobia,  coloquei-o a pensar sobre o perigo de mais armas facilitadas à população, pedi que dissesse a sua posição a respeito das mulheres, dos direitos indígenas e dos portadores de deficiências. Por fim, fiz a pergunta:
            Você se identifica com tudo isso que esse candidato defende? A resposta dele foi: “Não! Deus me livre, Zé! Eu só quero estudar, ser feliz com essa outra mulher e ter saúde!”.

            Pois é! Acho que nem tudo está contaminado na decência do Caladinho. No fundo, ele e tantas outras pessoas não escondem em si um racista, um homofóbico, um ser violento. O que tenho notado é a existência de pessoas inescrupulosas se aproveitando deste quadro cultural brasileiro, onde os analfabetos funcionais e os analfabetos somam quase a metade da população.

            É isso, Caladinho! E saiu empurrando o seu carrinho de sorvete. Ainda pude ouvi-lo gritando ardentemente: “Não entre nessa gelada! Gelado só o sorvete!”.

Em tempo: a favor da barbárie do candidato da extrema esquerda, contra os mais desfavorecidos, estão o Zólhudo da Praia, o Bonecão, o Pirangueiro, o Barrigudo da Prancha, o Negão da Cachoeira, o Marisqueiro, a Advogadinha e outros tantos que era de se esperar e de não se esperar. “Ah! Quantos cristãos!”.  Estão avisados: já estão deletados de qualquer confraternização comigo.

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