quinta-feira, 25 de outubro de 2018

NÃO ALIMENTEM O COISA RUIM

Meu instrumento (Arquivo JRS)


               O meu finado tio Clemente era quem mais nos alertava a respeito daquilo que falávamos e escutávamos:

               Tenham cuidado com o que vocês escutam. Nem tudo convém de ser comentado com outra pessoa. Também não deem atenção às mensagens que não merecem atenção. Nem todas as palavras podem ser ditas porque elas carregam coisas ruins, atraem maldades. É por isso que   determinada doença incurável nós chamamos de doença feia. Não xinguem, nem chamem ninguém de bobo, de louco. É ruim, atrai o mal. Tentem apagar até mesmo de seus pensamentos os sentimentos ruins, que apenas atrai destruição e desamor. Não alimentem o coisa ruim”.

             De vez em quando me vem à mente esses fragmentos de outros tempos, quando eu conheci o tio Clemente. Ele e meu bisavô Armiro moravam no jundu da Fortaleza.  Tio Salvador já estava embarcado no barco do padre. Eu era bem criança. Eles se viravam na roça e na pesca. Debaixo do assoalho da sala vivia uma família de lagartos; pelo terreiro passeavam tranquilamente porque tudo era paz naquele espaço. Me encantava com aquilo! Uma frondosa laranjeira mexerica era a nossa alegria no mês de maio, quando estavam maduras e liberadas para todos que por ali passavam. É, naquele tempo não existia muros: a gente circulava livremente para pedir as bênçãos, dar bom dia, levar alguma coisa em sinal de partilha, oferecer algum adjutório.

               Estou me recordando disso agora porque, diante de tantas atitudes odiosas, de tanta enganação de pessoas simples, consigo me sustentar em alertas do tipo: não assista programas fúteis, que apenas têm o objetivo de idiotizar as pessoas, trazendo maus princípios aos lares; não compartilhe de atitudes racistas, machistas, contra as minorias marginalizadas; não persiga nem mesmo com palavras e pensamentos aquelas pessoas jogadas pelas sarjetas; não dê um mal exemplo sequer aos que estão ao seu redor, sobretudo se for criança; leia artigos de qualidade, que querem construir a verdadeira cidadania; não seja vulgar atestando que podemos regredir sim à animalidade, menosprezando a nossa capacidade cerebral. Acho que todos estes princípios estão contidos naqueles conselhos que escutávamos na cozinha do tio Clemente, no tempo da meninice, quando nem imaginávamos o que era poluição nos nossos rios e em nossas praias. Nem sonhávamos que testemunharíamos essa miséria cultural que arrasta a nossa gente, proferindo discursos de ódio e de destruição.

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