quinta-feira, 11 de outubro de 2018

A RESPEITO DA CONVERSA DESTA NOITE

Mais uma vítima (Arquivo JRS)

            Uma lembrança, dentre as tantas outras da minha infância, era a discreta militância política de papai. (O finado tio Tonico dizia que ele tinha tentado a vereança quando mais jovem). Numa ocasião até fui com ele e o Idílio Barreto numa reunião com moradores na praia da Tabatinga. Nós morávamos na praia do Perequê-mirim. Era o ano de 1974. Mais de vinte pessoas nos aguardavam num terreiro perto da praia. Um lampião salvava da total escuridão. Os caiçaras (Catarino, Daíco, Ditão, Barrasseca, Aristeu Quintino e outros) desafiavam a ditadura praticando tal ato, reivindicando melhorias para o bairro, discutindo política. Imagine você: até num rincão tão distante dos centros do poder havia medo. No final, o saudoso Catarino nos despediu dizendo: “Não comentem com ninguém que não seja da nossa gente a respeito da conversa desta noite”. Era tempo de ditadura, quando prisões e torturas era procedimento comum do Estado brasileiro. Tabatinga, a casa branca dos tupinambás. 

            Agora, depois de nem tanto tempo assim, vejo os defensores das mesmas ideias que nos afligiam. O pior: muitos são caiçaras! Tristeza! Quanta tristeza! O motivo é constatar que amigos e até mesmo familiares estão sendo cúmplices de algo ruim. Não tem como desculpar quem apoia uma pessoa que defende o uso de armas como melhor solução para os rumos deste país chamado Brasil. Não há justificativa para discursos contra as diversas minorias que fazem do Brasil uma nação singular. Os tristes fatos (até mesmo mortes pelo país afora) comprovam que os apoiadores do candidato da extrema direita são seus cúmplices. Por isso estão matando, violentando em diversas ocasiões. Cenário igual vivia a Alemanha quando elegeu Hitler como governante. O que decorreu disso (campos de extermínio, perseguições, crueldades de todos os tipos etc.) só os estúpidos se negam a aceitar como verdade. O povo alemão, na sua ignorância arquitetada, foi corresponsável das tristes páginas da nossa humanidade. Agora, pelo que percebo, uma parte do povo brasileiro vai pelo mesmo caminho. Parentes meus, cristãos de carteirinha, exaltam os fluídos da ditadura proclamados a todo momento em imagens e documentos. Dão glória a Deus pela oportunidade. Preferem sacramentar a ditadura em vez da democracia, a violência em vez dos estudos.

            A minha filha escreveu: “Estou com medo por meus amigos, por minha família e por tantas pessoas queridas. Estou com muito medo”. Maria e Estevan: beija-flores que pusemos no mundo. Eu e minha esposa sofremos.


            Raiva, indignação, medo... Caso o pesadelo se efetive, esses parentes e amigos deverão abraçar o esterco sacramentado e nem olhar para o meu lado e para os meus que embalam o sonho de um mundo mais justo. Um ditador você não remove do poder com juiz, nem mesmo que este seja instruído no estrangeiro. Pior se espera de seus apoiadores fanáticos. Eu, minha esposa, minha filha e meu filho não aceitaremos  cúmplices de personalidade destiladora de ódio. Não pode fazer parte do nosso afeto quem abraça a banalidade do mal com a maior naturalidade. 

          

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