sábado, 2 de junho de 2018

VENTO SALGADO

Canoa grande da praia Mansa (Arquivo Rê)


               Olhando a fotografia, parece que foi ontem a minha despedida da praia Mansa, na Ilhabela, onde uma comunidade caiçara me acolheu tão bem, com tanto carinho. Numa ocasião anterior, foi a mesma coisa com um grupo de jovens, estudantes que me acompanhavam, todos da escola “Aurelina”, no bairro da Estufa, em Ubatuba. Por alguns dias, puderam ouvir e conviver com pessoas que viviam bem distantes de tudo (das facilidades do progresso), cultivando banana, mandioca, batata doce, cana, feijão e milho;  dependendo do mar em muitas coisas; festando sempre que uma oportunidade aparecia. Ali, fazendo parte de quase tudo, estava o amigo Pedro, o professor, cidadão de São Luiz do Paraitinga que se acaiçarou há muito tempo. 
Praia Mansa  e escola(Arquivo Rê)

         Na escolinha, no jundu, ficamos protegidos e alimentados por alguns dias. Assim que a noite chegava, conversávamos a respeito de tudo, sobretudo daquilo que estávamos vivendo. Conforme fala recente do Cláudio do Juquinha, um daqueles jovens da citada experiência: “Não tem como a gente se esquecer dos dias que ali vivemos. Devemos muito a você pela oportunidade”. É, já está completando vinte e cinco anos. Saudações a todo mundo que encarou o desafio, que enfrentou frio e chuva, que tomou banho na cachoeira gelada, que deu gostosas risadas, foi solidário e sentiu o que é solidariedade. Abraço forte a vocês!

               Na fotografia acima está o momento em que embarquei de volta,  na ocasião seguinte, deixando por lá pessoas muito estimadas. “Vamos, Zé. Vamos no rumo do porto da Ilha. Você vai gostar de sentir o vento salgado”.  Creio que foi a única vez que deixei de enfrentar a trilha dos Castelhanos, de sete horas bem caminhada, até o porto principal de embarque e desembarque da Ilhabela. 
Ponta da Cabeçuda. Lá em cima a Pedra Cortada (Arquivo Rê)

       Na embarcação, fui escutando, entre berros (porque o motor era muito barulhento), detalhes dos lugares (praias, costeiras, lajes etc.) e de causos da Ilha: “Aquela é a Ponta da Cabeçuda. Dizia o meu finado pai que, bem antigamente, um velho morava ali. Ninguém sabia de onde veio porque ele não falava. Diziam que se tratava de um sobrevivente de um navio que afundou perto da costeira, por ali mesmo. O coitado passava a maior parte do tempo olhando o mar, como se esperasse a chegada de alguém, possivelmente de algum lugar do estrangeiro. Nunca pareceu ninguém para lhe dar essa alegria. Até que num belo dia, o avistaram sem vida na Pedra Cortada. Ali mesmo, na cepa do coqueiro indaiá, ele foi sepultado. Seus ossos devem estar lá até hoje. De vez em quando alguém diz que avista um vulto olhando o mar no mesmo lugar onde ele morreu, na Pedra Cortada”.

               O ano em que escutei a história? 1993.

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