domingo, 24 de junho de 2018

ATENÇÃO NO RUMO

           
Oliveira, o remador. (Arquivo JRS)

Praia do Perequê-mirim (Arquivo JRS)
             Aproveito sempre o silêncio do dia que começa para me recordar de muita gente boa, de pessoas que estão em outros lugares: alguns próximos, outros distantes. Quantos dividiram comigo momentos maravilhosos!?! Se ficaram na memória, é sinal que dividimos coisas do nosso ser; que a nossa comunhão abriu caminhos neste mundo. Neste momento me lembro de um trecho da música do caiçara Francisco Alves da Silva, o Chico Arves: “Companheiro me ajude/ que eu não posso cantar só./ Eu sozinho canto bem,/ com você canto melhor”. E me recordo das rodas de prosas dos caiçaras pelos jundus das praias. Nesta semana, mais um desses proseadores nos deixou: trata-se do Luís Carlos, da praia do Perequê-mirim. De acordo com a comadre Luzita: “Ele morreu pela falta do pai, pois desde que a mãe faleceu há muitos anos, os dois viveram juntos. Agora, tem menos de um mês que o pai se foi. Ele perdeu o companheiro de toda vida, não aguentou, morreu nesta madrugada”.

             O Luís Carlos era quem cuidava da praia do Perequê-mirim. Assim que o dia amanhecia, ele já estava rastelando e carregando tudo aquilo que encalhava no lagamar: folhas, galhos, lixo plástico, vidros etc. Fez isso por décadas. Assim, a areia continuava agradável de se ver, convidativa para nossas caminhadas. Numa dessas ocasiões, eu permaneci com ele e o Oliveira por mais de uma hora conversando  no porto do Pedro Cabral, recordando de tantas coisas da gente.

                       Testemunhar uma vida chegando a este mundo é uma experiência maravilhosa! Maria Eugênia e Estevan são as nossas realizações máximas, né Gal? Vovó Martinha, a parteira, contava detalhes engraçados e/ou impressionantes: “Sinfrônio, o Velho, sofria as mesmas dores da sua mulher Maria. Era como se ele também estivesse esperando um filho naquela barriga murcha. Até vomitar vomitava o coitado. Desde o Pulso até o Saco das Bananas não tinha quem não se impressionasse com o sofrimento dos dois. Tudo se acabou quando eu peguei a criança, numa madrugada de um domingo, numa época de tainha. Pai e mãe voltaram ao normal, aquelas dores se foram, a criança cresceu, a vida continuou”. Creio que os mesmos sintomas acompanham  a perda de uma vida. É, a vida é assim! As pessoas passam em nossas vidas, nós passamos nas vidas das pessoas. Edirani Lopes assim se expressou: “Sinto saudades de pessoas que nem imaginam o tamanho da falta que me fazem”.          E, com certeza, cada uma dessas pessoas deixou um pouco dela e levou um pouco de nós.  Oliveira, o velho caiçara da Fortaleza, naquela manhã de prosa no jundu, junto com o agora saudoso Luís Carlos, disse: “A vida continua. Eu sigo remando nela com a minha canoa até que este corpo aguente ou que nenhuma tormenta me alague. Não pretendo desembarcar tão já. Só presto atenção no rumo que vou tomando”.     

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